15.3.08

pelo nada um fio de lã

“Será que vale a pena abrir a janela, escancarar a alma e enfrentar o mundo?”

...assim que se vai nessa noite sabe-se que não há mais jeito. A repetição é sempre especular e sempre pra baixo. Não há como subir, não há como se salvar – e pra quê? se já não há serventia nem pros sapatos gastos que não fazem barulho de passos – de nada? No silêncio te procuro não como quem quer escapar; sei que a queda é iminente. Questão de tempo (ou de querer, simples coragem...). Te procuro como a face outra dessa que enxergo aqui por dentro, com esse meu terceiro olho furado e vazio que por muito tempo acreditei ser a solução de tudo. Da mesma forma como não te encontrei, nem em sorrisos nem no cuspe que ainda escorre pelo meu rosto, não vislumbrei aquela face minha que tu me deste.
E as folhas agonizam como as cinzas das horas que se findam no relógio opulento e sem ponteiros. A única luz possível é um rastro de rastilho da lã que, pólvora, estende a explosão anunciada lá bem longe de onde estou – pra onde vou. Daqui a pouco, agora não. Segure-se, segure-se bem firme ao corrimão. Não queiras cair antes da hora, despencar ante o segundo exato da queda-livre ensaiada. A simetria é absurda, envolvente, quase me hipnotiza em seu mimetismo próprio. Não querias saber a sensação? Não querias, de uma vez por todas, acabar com a dor? É simples. Eu sei. Esperemos, pois. Que ao longe a vista embaça, as lentes sujas, o mundo estagnado e as minhas lentes sujas, ou esse mundo de braços retorcidos e pelados? essa natureza morta-viva, essa penumbra de frio e solidão. Não me desampares agora, não há mais ninguém aqui. Aqui. Aqui não há mais ninguém. Tens razão. Mas é preciso que se enfrente tudo por si mesmo. Não há fuga, não há jeito. As coisas clamam por ti. E que venhas tu, às coisas, que elas te esperam, que te espero. Não aí. Não daí onde estás. Não. Vem a mim.
Não escuto o clamor. Só o silêncio preenche o lugar, esse lugar que é sempre o mesmo, até nunca mais. Nem medo – não, não há medo –, apenas essa sensação de corte fino e a pele enrugando-se e descascando-se até que pequeníssimas ranhuras brotem em sangue, rusgas de meu corpo com o corpo do mundo, que rejeita essa matéria sua como feto abortado de minha mãe, da primeira mãe, de todas as mães. Há sempre o momento em se regurgitam os abscessos purulentos que incomodam à carne alheia, à túrgida carne da natureza que se nega ao colorido que lhe mascara o sentido último, a pulsão primeira: a liberdade. Contudo a liberdade é cruel, amarga, feia, só e não serve de nada. Ninguém a quer. Não a quero.
Apanho o fio. O bolo ainda é pequeno. Posso vê-lo meio sem graça, envergonhado e verde um pouco mais abaixo. E confortável. Aquele novelo de lã em verde bolo transmite o acalento de um abraço teu, apertado, amigo, paixão de graça descoberto em simples desenrolar, movimento contínuo, abrir de zíperes, botões espatifados no duro e sujo chão de concreto. É lama, não sujemos as meias brancas, não maculemos o nosso segredo só nosso, não deixemos nós que os outros, à espreita, porque sempre os outros à espreita, façam razão de nossos atos, maneiras tão nossas de ser. Danem-se. Um fio de lã verde, você. As coisas clamam por mim. Me espera, tô indo. O vento bate em minhas costas, zéfiro, violento, cambaleio qual bêbado por ti, só naquele fio de lã me seguro, e só por ele – você – até ti, me guio. O novelo corre veloz lá pra baixo por onde as vistas embaçam e os ruídos misturam-se ao murmúrio das folhas que viram cinzas e cobrem o manto rubro escarlate do término num baque seco, gritado, sereno...
- música do post: "esquadros", Adriana Calcanhotto

9 comentários:

Ana Paula Vieira disse...

encarar a vida eh necessário, mas tem gente q prefere se esconder, azar o deles não eh?
viver eh sempre bom
=D
lindo texto!
Bjs

Stella disse...

...Sempre vale a pena, mesmo quando o vento, como você disse, bate em às costas, zéfiro, violento. Porque não haveria sentido em se passar tanto tempo neste mundo sem deixar-se sujeitar ao risco de tornar-se cinza como as folhas do tempo...

Um beijo a ti, Carioca mais Gente Boa que Já Vi!

Amanda Beatriz disse...

eu acho que você devia escrever um livro, já te disse isso?
texto tenso, forte, bom de se ler.
beijos!

Ivan Bittencourt disse...

o teu estilo de escrever é legal...
^^
bom texto
abraços

En viva la vida.

Nando Damázio disse...

E mesmo quando as folhas secam, ainda podemos buscar forças dentro de nós mesmos para recomerçar ..

Lindo esse texto ..
Abraço !!

Marcel Luis disse...

cara, no duro, c fica cada vez melhor. eu sou a favor do livro. e obrigado a você pelo carinho, minha frequencia ca no teu blog é interessada, sempre aprendo algo quando venho aqui, sem exageros. ja vc me visita desinteressado, sou grato por isso, um abraço.

Teresa disse...

Alex....... Olha.......
tenho que te dizer......
eu sinceramente não sei o que o meu prof. falou quando disse que "os blogueiros são um bando de desocupados. escrevem à tarde o que fazem pela manhã: nada!"

meuuuuuu a cada dia eu me surpreendo com o vocabulário dos blogueiros. Muito melhor que qualquer escritor e jornalistazinho formado que tem por aí.

adoreeeeeei

Stella disse...

...Oi, Alex...

...Olha, não gostei muito de saber de sua solidão. Pessoas tão profundas como você não merecem ter de conviver com este tipo de sentimento, mesmo que temporariamente. E quanto ao amor do textinho que postei lá no Dominus, só posso te dizer que você é daqueles que têm consciência do mal do século e por isso, é privilegiado. Sabe o que tem e, eu aposto, vai encontrar a cura mais rápido até do que eu.

...E quanto às minhas elucubrações que vez ou outra enfio em sua cabeça, não se amofine por elas. Pois quando li seu comentário no meu blog percebi que eu provavelmente sou uma mentecapta, que fala tantas loucuras que provavelmente serei internada em algum hospício. Enfim, ser confusa é meu estado normal de espírito e buscar respostas para todas as minhas dúvidas é o que faço de melhor. Então, quando encontro um poço de respostas como você demonstra ser em seus textos, farto-me nestas águas e acabo por deixar o provedor desta fonte completamente confuso.

Em suma, adoro ler o que você escreve, pois percebo muito do que vai em minha alma e não consigo escrever naquilo que você tão facilmente consegue por no papel.

Um abraço a ti, meu querido... e mil desculpas pelas pulgas na sua orelha! :)

Filipe Garcia disse...

Alex,

gostei demais do seu texto e, confesso, em grande parte dele, achei que eu tinha escrito. O seu jeito de usar as palavras, esse diálogo interno, a forma fugaz de lidar com a realidade... tudo isso me chamou muito a atenção.

vou lê-lo novamente. Há textos que não se digere com uma lida só. Mas já lhe adianto que gostei muito e me senti alcançado pelas suas palavras.

abraços