12.5.08

onde, onde estarias?

“Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora”.
Carlos Drummond de Andrade


e chovia muito e já era noite. E eu na cama pensando em você. Sozinho como você. Sozinho como só eu sei que você pode estar agora. Justo agora que eu te sei tão bem e que você estava quase a me saber da mesma forma também. Eu esperei. E esperaria muito mais se tua paciência não fosse tão curta como a minha vontade de viver. Agora. Depois de tantas e tão poucas idas e vindas e dos poços-abismos-precipícios de que me tirou pelas pontas dos meus dedos aos teus dedos-mãos-braços-ombros-costas-corpo-inteiro e então nós dois rolando enlouquecidos pelo chão num sexo a sexo tresloucado até acabar pra nunca mais e sempre mais.
Sozinho no escuro de minha cama, debaixo de meus medos e por cima de meus receios, me pergunto: onde estarias? Saiu assim sem me avisar nem bilhetes nem recados nem mesmo um mínimo post-it... Também não quero despedidas, não vamos discutir de novo por causa disso: já te disse que política religião futebol e mulher não se discutem. Mas com quem, se você já não mais está aqui? Além de mim, apenas mim-mesmo a me culpar pelos erros e me recriminar também pelos acertos, porque sempre ao acertar contigo era excessivo. Mas não era por mal, nunca foi e nem nunca seria se antes eu-mesmo me tivesse avisado: fiz isso aos excessos porque aos excessos te amo. Sim, também sei que nunca te disse isso. Não porque seja mentira, senão não estaria dizendo pra mim-mesmo: a gente não se conta mentiras; a gente sempre se confessa a verdade de si-mesmo. Mesmo que admitamos que seja mentira. Admitir a mentira a si-mesmo é na verdade e talvez a própria verdade. Porém aquela verdade que nunca se alcança, nem se sabe o quê ou por que se precisa dela. Na verdade, quem é que precisa da verdade? Porra nenhuma. A mentira já dói demais. Contentar-se com a metade já está de bom tamanho. A possibilidade é dúbia: meia-verdade ou meia-mentira. Escolher uma delas é simplesmente “uma questão de contexto”.
Foi o que você me disse uma vez... Só não me lembro agora qual foi o contexto. Talvez tenha sido fora de qualquer contexto, o que o justificaria. E sempre foi assim. Eu sou a pergunta e, você, a resposta. Não necessariamente aquilo de “sim ou não”. Aliás, nunca. E sim a justificativa. Você era a justificativa dos meus atos. E isso me trazia segurança; não os meus atos, você: segurança.
E por isso eu aqui agora nunca mais no meu quarto escuro te esperando mas sabendo que não mais nunca jamais retornará, uma vez que nunca foi. Agora que me dei conta de que talvez nunca jamais tivemos nada além de uma doentia pergunta que não me cala a insônia: onde estarias? E as nossas antigas discussões não têm sentido porque nunca tiveram algum porque nenhum de nós dois sabia o que estava fazendo. Nós apenas fomos uma simbiose em que a determinação sua me fazia alguém, porém não alguém que não outrem já não eu-mesmo que nunca fui. Fui ficando e fui deixando que tudo isso acontecesse. Mas também não assumo toda a culpa e te ponho à força um mea-culpa mesmo que você tenha ido e me deixado indo-embora-ficando só e só olhando essas estrelas que, cadentes, caem com tudo no vazio escuro do meu quarto e de mim-sem-você. Ou seja, nada. Coisa-alguma que nenhuma desapareceu sem deixar rastro. Cadente de estrela de mim.
E esfriava muito e estava de cobertor protegido da chuva lá fora de gotas e estrelas e noite, mas sem você não tem graça, nem pano, nem silêncio, nem grito, nem corpo, nem nada que me satisfaça além da lancinante sufocante claustrofobiante pergunta que em tudo, cada móvel, cada coisa, cada parte de partícula de todo ressoa ao mesmo tempo em uníssono gritando aos teus ouvidos que sei que escutam e num meio sorriso me justifica o soluço da lágrima engolida nos olhos abertos e verdes pro teto pálido: onde, onde estarias?

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...já mais de mil visitas... Nunca me passou pela cabeça que esse mundo percorreria tanto, e justamente me dou conta de tal conta num dia como o de hoje, hoje que pra mim seria melhor que não tivesse havido... De qualquer modo, agradeço (a alguém alguma coisa que não sei bem direito o que é)...

- música do post: "quem vai dizer tchau?", Nando Reis

5.5.08

a trajetória

Num acordar perceber que não existe a saída.
Ao espelho chegar e ver apenas dor, sufoco, contrapartida.
Tentar ater-se a laços, porém só colher despedida
Por esperar em Deus e jamais ter a resposta obtida.

Do pó vieste e a ele – agreste – retornarás.
No inferno o encontro com o capataz;
São Pedro já ficou p’ra trás...
Lá longe, impassível, irascível como um monge.

Indulgente chega o próprio Satanás,
Que nas mãos um baralho traz:
“Daqui escolhas o que mais lhe apraz”,
Adentrando de Dante o recinto que no fogo jaz.

O castigo a mim imposto não foi fácil d’escolher
E o próprio inquiridor deu-se voltas pr’entender.
Até que de uma serpente amiga a solução chegou:
“A qual anel deve-se mandar um maldito
Que teve no Céu o pior veredicto?
Nenhum! Mas resposta corretamente lhe dou:
É pior não ser castigado a ter o pior castigo!”

A vagar em meio àquele enorme cemitério,
Numa lápide sentei-me com o jeito funéreo.
Nos dedos percebi de minha queda alguns restos de carvão
E pus-me em meu assento a derramar estes versos num clarão.
Mal percebi um homem de trapos que aos poucos me chegava
Perguntando o que eu fazia e se meu castigo não bastava.

Disse-lhe que poetava ali por puro gosto
E vi uma sincera lágrima sulcar-lhe o rosto:
“Eu te imploro, venha comigo,
Há tanto tempo não tenho um amigo!”

Contei-lhe então como havia ali chegado
E descobri que ele e eu dividíamos o mesmo pecado.
Falei-lhe também da serpente e seu castigo -
“Não acredito que fizeram o mesmo contigo!”

Confessou-me que em vida e morte passara por todo tipo de horror
E eu, prostrado, disse-lhe então: “deixe-me ficar ao teu lado, ó, meu senhor.
Ensina-me a suportar tod’essa dor!”
E assim sua mão direita estendeu-se a mim em benignidade e ardor.

Levantei-me, pois, e fui com ele abraçado,
A fim de realizar na Eternidade o que não consegui no passado.

- música do post: "fera ferida", Maria Bethânia