10.1.11

primogênito

...sentiu as dores do mundo e soube que naquele dia, sem atrasos, é que deveria ser feito. O labirinto não oferecia escolhas; os caminhos, entrecruzados, perdiam-se na velocidade do líquido parcialmente viscoso escorrendo-lhe pernas abaixo. Mesmo assim, tentou desesperadamente fugir de seu destino.
Quis gritar, pedir ajuda aos céus, mas a providência divina de nada adiantaria em meio às sombras de que escolheu fazer parte. Voluntária da própria desgraça, adivinhava no musgo das paredes de pedra mensagens ocultas aos olhos alheios. Estava perdida e grávida num mundo de objeções. A escolha sensata jamais no repertório da mulher, por isso jamais vencida. A derrota, no entanto, impunha-se sorrindo enigmática e paralela ao caminho que deveria ter seguido.
Aquele, o da insistência daquela mulher, apenas a levaria ao fundo de seu juízo final, sob o jugo da luz lunar que a iluminava nos gritos lancinantes. Ninguém a ouvia, e ninguém a poderia ouvir, num labirinto não há qualquer chance de resposta. A voz que ressoava, se não esquizofrênica alucinação, era eco da voz que emitia, sons guturais e patéticos de sua desvalia materna.
Sabia que aquela era a hora, e que se parasse seria inevitável o parto, e que, sendo assim, teria de dar tudo de si àquela massa amorfa que se revolvia em seu interior. E por isso não parava, preferia o incômodo nas entranhas à responsabilidade da criação. A cada curva, a cada esquina, mesmo sem saber, cada vez mais enredada no descaminho labiríntico que pode envolver uma pessoa, a mulher usava todas as forças, suor escorrendo pelo rosto, toda músculos e contrações do mistério que carregava consigo.
Por não querer revelar ali mesmo aquilo de que se sabia invólucro, aquela mulher arrastava-se sempre adiante, mesmo sentindo as pontadas insuportáveis do azar, lancinantes golpes de um jogo macabro. Contudo não se pode adiar o inevitável, e então, consciente da derrota iminente, escorregou na própria matéria que expelia: um líquido cada vez mais viscoso, fétido, sanguinolento, sede de conquista. Em volta, muros cada vez mais altos, sem chance de redenção, insetos nojentos percorrendo a pele melada de suor. Na boca, a baba grossa de um esforço que encontrava o final de suas forças.
No centro de Creta, aquela mulher expulsou de si, contra todas as vontades internas, um ser de aparência terrível, o corpo tomado de grossas camadas de pelos revoltos, afiados espinhos espalhados pelo corpo disforme, algo como uma pequenina besta, os olhos muito pretos, luzidios, as patas de cascos firmes procurando terreno naquela umidade mofada.
Estando de pé, aprendizado que lhe parecia inato, a nova criatura encarou de perto o terror da genitora pra sempre vencida e, aproveitando-se do anonimato, alimentou-se de suas entranhas recém-descobertas, faminto de carne, carente de alma. Se alguém houvesse, de longe poderia notar o uivo, satisfeito, vingado, mas tarde demais pra qualquer atitude. Encontrou facilmente a saída, seguro de suas futuras posses, embalado pela conquista de novas presas. Tácito, confundia-se com a natureza, conosco, com o que de pior se pode gerar dentro de cada um de nós...

- música do post: "wrong", Depeche Mode

2 comentários:

C. Vieira disse...

Adorei ter você novamente no mundo virtual, Alex. Espero que continue por muito tempo, hein?
Não deu para ler o texto todo, mas volto para terminá-lo e dizer o que achei. Por enquanto, tô gostando muito. Você escreve bem, rapaz. Nem precisa dizer, né?

Abração e até mais

Camila disse...

Fico feliz por ter voltado!
Texto brilhante para variar...
saudades

Depois me conta por onde esteve, faz mta falta.

BeijO