31.12.08

odoyá

"Quando eu morrer voltarei para buscar
os instantes que não vivi junto do mar"
Sophia de Mello Breyner


Clara brincava na praia quando olhou a concha na areia, ali junto. Diziam-lhe que se a colocasse ao ouvido ouviria o barulho do mar distante. Assim o fez, enquanto pequenas marolas tentavam, em vão, tocar-lhe os vítreos pés. Agachada, o vestido rendado a chasquear os grãos da areia úmida, percebeu que os sons formavam como que lamúrias entregues ao nada. Talvez fosse a escolhida a captá-los e, quem sabe, tomar alguma atitude. Mas o quê?
Clara não compreendia as minúcias daquilo que lhe chegava tão docemente. Porque sim, o lamento era doce, e a voz do mar, apesar dos gritos salgados das ondas furiosas, cochichava qualquer coisa de íntimo que ia além de toda razão possível. Estar à deriva em meio à praia deserta proporcionava-lhe uma sensação única; o contato com o lado selvagem do mundo, seus segredos e códigos indizíveis, fazia com que se soubesse apenas parte minúscula do todo que chamam de universo, apenas mais um conjunto de fragmentos que se unem por determinado propósito.
Será, então, que era isso que deveria entender? Alcançar os detalhes do cume da evolução? Trilhando os meandros da cosmogonia, Clara corria o risco de se descobrir a si mesma. Inserida no contexto de uma revelação, a epifania desvelava-se por seus sentidos afora, desdobrando-se em sensações múltiplas e conflitantes, sinestesia de um corpo que se revela por inteiro ao espírito das coisas. A comunicação, portanto, parecia estabelecer-se. Através daquele objeto de formas engraçadas, delicada ruína de sedimentos, podia-se entrever que o momento de tensão máxima se aproximava.Clara, porém, não se dava conta disso, fascinada pelo descobrimento de realidades outras que se lha apresentavam. O choro do mar era pura solidão. Desarmada dos escudos da experiência como ser humano, restava toda aberta, braços dados com a consciência plena que a unia à natureza. Os ruídos de antes cessaram por completo. Não havia mais motivos para perdurarem. Substituídos por cânticos, encantadores tais como os de sereias, Clara foi levada a mergulhar cada vez mais fundo, até seus pés não tocarem a areia úmida de outrora, até suas mãos debaterem-se na agonia da concha perdida para sempre, até que ela por inteiro, embebida na maresia inebriante, desaparecesse na brincadeira macabra de existir.

*******

...pois é, voltei. Não sei o porquê, não sei até quando... mas também não sei se vale a pena ficar indagando razões que provavelmente nunca terei. Não importa. Enfim, só o que sei é que não quero fazer promessas para o próximo ano. Que 2009 venha, e que seja melhor que este ano a nos deixar a um minuto da meia-noite, a um passo apenas do precipício. Desejo a todos uma tranqüila e boa passagem; como oferenda, ofereço esse conto aos novos tempos, sacrifício necessário às inerentes mudanças da vida. A partir de amanhã visito todos vocês. Saudades. E bem-vindos novamente a esse inacreditável mundo em que espero permanecer...

- música do post: "Iemanjá rainha do mar", Maria Bethânia

12.5.08

onde, onde estarias?

“Tenho razão de sentir saudade,
tenho razão de te acusar.
Houve um pacto implícito que rompeste
e sem te despedires foste embora”.
Carlos Drummond de Andrade


e chovia muito e já era noite. E eu na cama pensando em você. Sozinho como você. Sozinho como só eu sei que você pode estar agora. Justo agora que eu te sei tão bem e que você estava quase a me saber da mesma forma também. Eu esperei. E esperaria muito mais se tua paciência não fosse tão curta como a minha vontade de viver. Agora. Depois de tantas e tão poucas idas e vindas e dos poços-abismos-precipícios de que me tirou pelas pontas dos meus dedos aos teus dedos-mãos-braços-ombros-costas-corpo-inteiro e então nós dois rolando enlouquecidos pelo chão num sexo a sexo tresloucado até acabar pra nunca mais e sempre mais.
Sozinho no escuro de minha cama, debaixo de meus medos e por cima de meus receios, me pergunto: onde estarias? Saiu assim sem me avisar nem bilhetes nem recados nem mesmo um mínimo post-it... Também não quero despedidas, não vamos discutir de novo por causa disso: já te disse que política religião futebol e mulher não se discutem. Mas com quem, se você já não mais está aqui? Além de mim, apenas mim-mesmo a me culpar pelos erros e me recriminar também pelos acertos, porque sempre ao acertar contigo era excessivo. Mas não era por mal, nunca foi e nem nunca seria se antes eu-mesmo me tivesse avisado: fiz isso aos excessos porque aos excessos te amo. Sim, também sei que nunca te disse isso. Não porque seja mentira, senão não estaria dizendo pra mim-mesmo: a gente não se conta mentiras; a gente sempre se confessa a verdade de si-mesmo. Mesmo que admitamos que seja mentira. Admitir a mentira a si-mesmo é na verdade e talvez a própria verdade. Porém aquela verdade que nunca se alcança, nem se sabe o quê ou por que se precisa dela. Na verdade, quem é que precisa da verdade? Porra nenhuma. A mentira já dói demais. Contentar-se com a metade já está de bom tamanho. A possibilidade é dúbia: meia-verdade ou meia-mentira. Escolher uma delas é simplesmente “uma questão de contexto”.
Foi o que você me disse uma vez... Só não me lembro agora qual foi o contexto. Talvez tenha sido fora de qualquer contexto, o que o justificaria. E sempre foi assim. Eu sou a pergunta e, você, a resposta. Não necessariamente aquilo de “sim ou não”. Aliás, nunca. E sim a justificativa. Você era a justificativa dos meus atos. E isso me trazia segurança; não os meus atos, você: segurança.
E por isso eu aqui agora nunca mais no meu quarto escuro te esperando mas sabendo que não mais nunca jamais retornará, uma vez que nunca foi. Agora que me dei conta de que talvez nunca jamais tivemos nada além de uma doentia pergunta que não me cala a insônia: onde estarias? E as nossas antigas discussões não têm sentido porque nunca tiveram algum porque nenhum de nós dois sabia o que estava fazendo. Nós apenas fomos uma simbiose em que a determinação sua me fazia alguém, porém não alguém que não outrem já não eu-mesmo que nunca fui. Fui ficando e fui deixando que tudo isso acontecesse. Mas também não assumo toda a culpa e te ponho à força um mea-culpa mesmo que você tenha ido e me deixado indo-embora-ficando só e só olhando essas estrelas que, cadentes, caem com tudo no vazio escuro do meu quarto e de mim-sem-você. Ou seja, nada. Coisa-alguma que nenhuma desapareceu sem deixar rastro. Cadente de estrela de mim.
E esfriava muito e estava de cobertor protegido da chuva lá fora de gotas e estrelas e noite, mas sem você não tem graça, nem pano, nem silêncio, nem grito, nem corpo, nem nada que me satisfaça além da lancinante sufocante claustrofobiante pergunta que em tudo, cada móvel, cada coisa, cada parte de partícula de todo ressoa ao mesmo tempo em uníssono gritando aos teus ouvidos que sei que escutam e num meio sorriso me justifica o soluço da lágrima engolida nos olhos abertos e verdes pro teto pálido: onde, onde estarias?

*******

...já mais de mil visitas... Nunca me passou pela cabeça que esse mundo percorreria tanto, e justamente me dou conta de tal conta num dia como o de hoje, hoje que pra mim seria melhor que não tivesse havido... De qualquer modo, agradeço (a alguém alguma coisa que não sei bem direito o que é)...

- música do post: "quem vai dizer tchau?", Nando Reis

5.5.08

a trajetória

Num acordar perceber que não existe a saída.
Ao espelho chegar e ver apenas dor, sufoco, contrapartida.
Tentar ater-se a laços, porém só colher despedida
Por esperar em Deus e jamais ter a resposta obtida.

Do pó vieste e a ele – agreste – retornarás.
No inferno o encontro com o capataz;
São Pedro já ficou p’ra trás...
Lá longe, impassível, irascível como um monge.

Indulgente chega o próprio Satanás,
Que nas mãos um baralho traz:
“Daqui escolhas o que mais lhe apraz”,
Adentrando de Dante o recinto que no fogo jaz.

O castigo a mim imposto não foi fácil d’escolher
E o próprio inquiridor deu-se voltas pr’entender.
Até que de uma serpente amiga a solução chegou:
“A qual anel deve-se mandar um maldito
Que teve no Céu o pior veredicto?
Nenhum! Mas resposta corretamente lhe dou:
É pior não ser castigado a ter o pior castigo!”

A vagar em meio àquele enorme cemitério,
Numa lápide sentei-me com o jeito funéreo.
Nos dedos percebi de minha queda alguns restos de carvão
E pus-me em meu assento a derramar estes versos num clarão.
Mal percebi um homem de trapos que aos poucos me chegava
Perguntando o que eu fazia e se meu castigo não bastava.

Disse-lhe que poetava ali por puro gosto
E vi uma sincera lágrima sulcar-lhe o rosto:
“Eu te imploro, venha comigo,
Há tanto tempo não tenho um amigo!”

Contei-lhe então como havia ali chegado
E descobri que ele e eu dividíamos o mesmo pecado.
Falei-lhe também da serpente e seu castigo -
“Não acredito que fizeram o mesmo contigo!”

Confessou-me que em vida e morte passara por todo tipo de horror
E eu, prostrado, disse-lhe então: “deixe-me ficar ao teu lado, ó, meu senhor.
Ensina-me a suportar tod’essa dor!”
E assim sua mão direita estendeu-se a mim em benignidade e ardor.

Levantei-me, pois, e fui com ele abraçado,
A fim de realizar na Eternidade o que não consegui no passado.

- música do post: "fera ferida", Maria Bethânia

28.4.08

ressaca de mim

“O que não se sabe pensar, se vê!”
Clarice Lispector



...olhava o mar com olhos de ignorante. Olhar que não enxerga além de seus palmos o que está sendo visto em processo de seu campo de visão. Limitadamente não-humano. Olhar de cão. Que vê. Não entendendo, não entender é preciso. Não pensar é de extrema necessidade. Ver sim. Olhos cegos surdos mudos. Mas verdes. Rebentando junto às ondas lá embaixo. Parado no pico de uma pedra verde de limo. Lá do alto a possibilidade de um escorregão direto ao infinito. Às ondas verdes, qual o meu olhar, rebentando lá embaixo.
É assim que gosto do mar, de ressaca. A espuma que branca borbulhante levanta o odor da maresia que me enche todos os poros, que me entope de prazer, torpor louco a que me entrego todo taça recebendo o líquido champanha cristalino. Braços abertos na brisa fria que me leva pra longe bem longe dali, enquanto a chuva me despoja de mim mesmo, minhas roupas encharcadas de que não mais preciso. Só do mar: necessito de sua energia na noite tempestuosa como um feto necessita do líquido vital de sua mãe. Filho do mar, isso é quem sou. Isso: quem: eu. Minha identidade é marinha. Meu signo aquário. Ascendente em peixes que nadam na torrente esverdeada que corre por meus olhos adentro até o fundo de meu espírito e que depois, cachoeira, re-sobem no fluxo de minha consciência até meus dedos dos pés e mãos e olhos e cabelos extremos todos pra fora de mim. O que está fora de mim está dentro de mim. E vice-versa. Porque sou da natureza e tudo o que me chega dela na verdade sou eu mesmo. Então não me procuro mais, pois sempre me teria achado se, quando perdido, houvesse tido a idéia de me reconhecer nas coisas que outrem que portanto eu. Não me reconhecia antes porque não me via. Me idealizava. Idealizar-se é projetar-se. E todo “projetar-se” é falso pra sempre. Não. “Ver-se”. Isso. É isso o que falta. Faltava. Pois em mim já me vi. Não preciso de reconhecimentos. Tenho dois olhos que ignoram, verdes, a minha própria razão, anulando-a. Precisar de um pensamento, não o preciso, a não ser muito pouco: tenho também um terceiro olho num ponto imaginário que transcende a si próprio e a mim junto a ele, indo-me exatamente na direção contrária de todo sentido.
O mar, a chuva, a brisa fria, a pedra cheia de limo e eu, todos ondas e espumas rebentando lá embaixo, misturando-nos uns aos outros congelados como lâminas finas e escorregadias e afiadas. Cortamos a realidade em duas três quatro cinco dez cem mil milhões bilhões e sem-número de vezes e maneiras, dividindo seus significados e símbolos chegando a somente um único signo:
...na ressaca de mim percebi que sem roupa a praia brotava nua de areias e brilhos da lua que cheia lhe tirava dos braços o mar que nascia em ondas como recém-nascido que chora pelo barulho da rolha do champanha estourando de bolhas e espumas cristalinas petrificadas de limo que escorrega ao infinito na lufada da brisa que sem pé nem mãos nem cabelos escorre no refluxo de uma cachoeira que nasce da estrela cadente que caiu em pranto que se misturando às ilusões projetou de si mesmo um espelho quebrado em sete anos de azar do terceiro olho que a isso transcendeu às suas vistas a visão que via embaçada pelo rodopio louco de uma voz de pássaro sem asas porque voa pra dentro de si e de fora havia rouquidão até recomeçar mais alto sem alcançar aquele ponto inimaginalmente imaginável desaparecido numa aparição de sua própria vontade que sem ser vista não existia porque pensada porém de tudo isso restaram os restos daquilo que não dito ouvido ou visto e que permanece berrando em silêncio pra não incomodar o incômodo de alguma vez ter dado chance de expressão a algo inexplicável que inexorável não se explica não se sente não se sabe não a não ser pelo trecho que pego pela metade se revela pedaço inteiro porque todo pedaço inteiro é tudo mas que não é nada por falta de espaço que nessa noite não se acaba por medo do sucesso de recomeçar mas sem medo de existir verde e de ressaca de si...
E foi quando senti as algemas frias se fecharem num clique às minhas costas. Pessoas outras aglomeradas na calçada da praia de Copacabana, umas rindo, umas a chorar, umas a gritar, umas a jogar pedras, umas. As pessoas sempre umas enquanto eu nenhuma. Não entenderam não-entender. Procuram razão nas coisas, projetando-as. Sombras do próprio reflexo que são. Eu não. Sou mesmo o não. Mas verde. Iluminando de esperança a viatura de sirenes vermelhas e os homens de farda cinza e as pessoas outras e umas de branco azul amarelo vermelho laranja roxo anil rosa e todas mais, vendo em cada indivíduo todos os indivíduos e tudo e nada que há, através daquele signo que em vão tentei ver em completude, porque não se capta nem mesmo pela ignorância de não-saber, reconhecido somente num trecho entre reticências e sem possibilidade de nexo: o signo. O signo que é a natureza, a praia, o mar, as ondas, a chuva, a brisa, a noite, a estrela cadente, a pedra, o limo, as roupas, eu, as pessoas, os homens de farda cinza, a algema, a viatura, as sirenes, as cores... O Infinito. Não estou louco. Estou de ressaca de mim...


*******

...quando a gente acha que tudo tá perdido, um broto de esperança surge à beira da sacada, segura a nossa mão, enxuga as nossas lágrimas e jura todas aquelas falsas promessas em que tanto queríamos acreditar...

- música do post: "o bêbado e o equilibrista", Elis Regina

15.4.08

fake

...sim, eu sou tão falso quanto uma nota de cinqüenta com a tua cara-de-pau estampada na frente. Sim, sou tão mentiroso que nada do que eu digo é digno da atenção de um cão sarnento. Sou tão ruim que não mereço nem mesmo a morte e tão desprezível que cuspo no prato que como. Sim, sou tudo isso e talvez muito mais. Sou assim do jeitinho que você me quis, da maneira como me criou, ajustado pros modos que você mesmo inventou. Agora é tarde demais, meu caro: leite derramado não volta pro gargalo sujo em que tua boca me bebeu até se encher, até que eu me azedasse no chão frio em que você me deixou. Me cobra explicações? Pois são essas aí. E os combinados que foram rompidos? e tudo aquilo que já foi dito? esquece, vai... nada mais artificial que as tuas mensagens no meu celular e que, por alguma esquizofrenia minha, nunca apaguei. Talvez seja mesmo algum distúrbio, masoquismo. Comigo sempre funcionou esse negócio de auto-flagelo. Basta ver as marcas no meu braço desde aquela vez que eu te deixei por tua causa. Até hoje as cicatrizes doem, feridas que abri porque não me agüentava mais sem você. E é isso o que tenho em troca? Todas essas acusações, injustiças, paranóias? Realmente fui um tolo ao acreditar que podia confiar em você. Fui idiota ao achar que, por algum momento, você de fato se importou. Comigo, sei que não. Com você durante todo o tempo. Espero que tenham sido ótimos os nossos carinhos, as trepadas que te dei - as melhores da tua vida, tenho certeza, pela tua cara via, pelos teus urros sentia, antes mesmo de você me dizer. Me arrependo do dia em que fiquei de joelhos te pedindo perdão, das incontáveis vezes em que me humilhei pela tua atenção, um olhar, um sorriso, um quase-nada que fosse. E ficava feliz. Ficava agradecido pela esmola como aquele mendigo que no metrô me pediu cinqüenta centavos pra tomar um café. Não dei. Por culpa tua. Hoje desconfio de tudo e todos. Fico com os dois pés atrás e mais os braços em posição de luta, revide. Quero que você saiba que esse recado é tão fake quanto o que a gente acha que tem um com o outro. No mínimo é palhaçada, piada de mal-gosto. Sem graça. Quando você me pergunta quem eu sou, é isso o que você quer saber? bom, é isso mesmo, honey: sou teu bonequinho de luxo, teu anjinho dos olhos verdes, teu bibelô de porcelana. É, aquele mesmo que você um dia comprou com presentes caros e palavras de almanaque. Tuas juras me saem tão baratas quanto aquelas do papel do bombom que comemos juntos uma vez, rindo até não poder mais. Mas, quer saber, eu não achei graça nenhuma. Puro fingimento. Aliás, você não sabe quantas vezes fingi gozar contigo. E foram muitas, querido... você não manja assim da coisa como pensa. Sei de gente que faz muuuito melhor - e por mais tempo. Porque foi assim que você me quis. Desde sempre. Desde o início você se acomodou por eu me acomodar por nós dois. Já que eu exijo minha alforria, você se desespera, joga na minha cara toda a merda que tava presa no ventilador. No fundo no fundo sei que não dá mais pra continuar, porém não sou eu quem vai tomar essa decisão pela enésima vez. Vê se cresce, aparece e vira homem de uma vez por todas, porra! Toma uma atitude, me xinga de verdade, me soca, me chuta, me agride pra valer, me faz sangrar, bate com a minha cabeça na quina da porta do teu armário, me mata. Tudo, tudo mesmo, menos essa tua apatia com que eu tenho de conviver há tanto tempo. Cansei. É a rebeldia da máquina. Daquele que até ontem era o teu robô de estimação, o bichinho de pelúcia que você usava toda noite pra dormir, as tuas fantasias que sempre realizei, disposto às maiores nojeiras só porque você gostava. Não eu. Não sou mais o teu sonho, quero virar teu pior pesadelo. Me tira do teu porta-retrato porque não sou mais o modelo pra mamãezinha alguma. Não me mostre a mais ninguém. Saí da jaula do teu zoológico, não admito que apontem mais os dedos em riste pra mim. No entanto, continuo à vontade pra sorrir em troca da troca de tudo aquilo que já te dei. Como disse, não presto. Era isso que você queria saber? então tá sabido. E pronto, vê se me deixa em paz...

- música do post: "cotidiano de um casal feliz", Jay Vaquer

10.4.08

aquele homem

...ali pelo início das tardes de sábado é que o espetáculo começava. Depois de pôr o avental encardido de anos de labuta e estalar todos os dedos da mão, dedos nodosos e respeitados em toda a vila, depois disso faltava apenas ajeitar os longos fios de um cabelo negro anunciando sua futura partida em entradas já definidas.
No entanto, era moço ainda, o que lhe dava status até maior pelos seus feitos. Não, ele não era uma espécie de lutador ou coisa do tipo, pois, quando se trata de um, obviamente se pensa em seu adversário. Nesse específico caso, o desse moço com entradas já nítidas em seu couro cabeludo tomado de caspa, ele não tinha adversários. Sua profissão: assassino de galinhas.
Muito requisitado naquela tarde, apressava-se para cumprir o seu último compromisso do dia. Havia um último animal a aniquilar, havia o almoço de sábado cacarejando no quintal da mulher do padre. Então foi.
O ar pesava em suas narinas, o que transmitia a seus passos um certo ar de autoridade. Temido pelas crianças, cujos pais de cabeça quente lhes prometiam o mesmo destino reservado às pobres penosas, era também respeitado pelos homens da vila, pois que aquele outro ser dotado de testosterona ativa aliviava o fardo da masculinidade que tinham de carregar. O ato abjeto mas necessário de matar por sobrevivência, pressuposto da lei do mais forte, era desse modo não só transformado em ofício como regulamentado – era de direito. E também porque nem todos os homens eram de fato homens para tal função.
De todo jeito, frente a frente à sua vítima, o bico amarelo do animal encontrou a face parda do homem. Não acontecera como das outras vezes. Aquela galinha era diferente das outras. E ele notara. Em geral todas o temiam desde o momento em que cravava seus olhos de gavião em sua plumagem delicada, rasgando a tenra carne e manchando-as com seu próprio sangue. Mas aquela galinha não quis ser maculada, pior, não dava a menor importância ao fato de que seria, ainda virgem, sacrificada. O ritual era antigo, apesar de ela não ter consciência disso. As galinhas não têm consciência, daí não pecarem. Mas era assim que tinha de ser. De qualquer maneira, saiu ciscando pelo terreno sem dar atenção maior ao homem, cujos olhos ficaram vesgos por um instante. Teriam aquelas duas lâminas perdido o fio de corte? Não, foi algo muito mais profundo.
De alguma maneira foi transmitido ao homem o fato essencial de que nunca havia se dado conta. A inocência daquela galinha engolindo milhos de uma tigela de plástico, enquanto olhava à sua volta o nada e a desesperança e a crueza de sua vida animal, isso tocou fundo no homem como nenhum carinho de mulher antes havia tocado. A fêmea conformada com seu destino levou o homem à compreensão de: de que havia, ainda, compaixão nesse mundo. Que ele a perdoasse por nascer galinha, era o que pedia, mesmo que não houvesse pedido coisa alguma. O homem entendeu a mensagem – e mais: o homem apaixonou-se pela galinha. Não pelo animal em si, e sim por sua não-deliberada inocência. Talvez fosse apenas a latência de sua irracionalidade manifestando-se de forma mais exterior de si mesma. Talvez fosse que o homem já não suportava mais a realidade de tão indecorosa tarefa, por que cada um não lida com o que é seu? Sentiu-se de repente responsável pela refeição e subsistência de todos na vila. Pela existência e manutenção de todos, esse era o seu papel. E é doloroso ser responsável pela dependência alheia. E estava apaixonado. Não podia negar. A inocência e compaixão da galinha o invadiram de vez. Não poderia. Não conseguiria. Nunca mais. Quem sabe mudar de cidade, conhecer alguém, casar, ter filhos, ser feliz? Um grotão abriu-se naquele rosto duro. Era um sorriso. A possibilidade eterna da mudança.
E a galinha a poucos metros. O símbolo de sua nova existência, da mudança definitiva de direção que daria em sua vida. Estava na hora, sentia o momento. Excitado, sentia o suor correndo em suas veias e em seu corpo todo. Queria agradecê-la. Mas como se agradece a uma galinha? Se falasse ela não entenderia. E mesmo que entendesse, ele era homem de modos rudes demais, poderia ser mal-interpretado. Talvez lhe desse um beijo e, já que a galinha não tinha rosto, ali mesmo, em cada um dos lados do bico. Talvez no próprio bico. Não, que o homem não era dado a esses gestos, era oco de carinhos.
Distraída, a galinha nem notou quando o homem a pegou nos braços fortes e torceu sem dó seu pescoço. Surpresa, também não teve tempo de gritar sua decepção. A fragilidade de sua inocência desapareceu num gesto cotidiano. O homem espantou-se com sua atitude. Matar a galinha foi seu jeito óbvio e automático de negar a mudança dolorosa que se avizinhava doendo demais em seu espírito já resignado. Os dois sabiam disso, mas apenas por dentro deles mesmos. A revelação do ato é que os pegou a ambos desprevenidos. O almoço de sábado seria servido. Em ponto.
Jamais aquele homem deixou de assassinar galinhas. Jamais aquele homem foi feliz. A compaixão, assim como a inocência, não brota em solo calejado. Morreu seco. E só...

para Clarice e Caio, que tanto gostavam delas...

- música do post: "a via láctea", Legião Urbana

4.4.08

se se se...

...antes do post, cabe talvez uma explicação: hoje eu reservei espaço aqui no blog pra uma espécie de meme. Digo isso porque não é propriamente um daqueles memes comuns, e sim algo que me chamou bastante atenção e que vi, pela primeira vez, lá no "Dominus", cantinho da minha querida amiga Cris. Sei que agora nem é mais novidade. Não importa, fiz - e publico-o - mesmo assim... Talvez, sei lá, talvez pra que quem lê o que eu escrevo aqui tenha a oportunidade de "me" ler um pouquinho também dessa vez... então, enjoy (eu acho rs)...

Se eu fosse um mês seria... Janeiro
Se eu fosse um dia da semana seria... Sábado
Se eu fosse um número seria... 7
Se eu fosse um planeta seria... Vênus
Se eu fosse uma direção seria... adiante
Se eu fosse um automóvel seria... um Lamborghini Diablo GTR
Se eu fosse um liquido seria... Smirnoff ice
Se eu fosse um pecado seria... Gula
Se eu fosse uma pedra seria... Esmeralda
Se eu fosse um metal seria... Titânio
Se eu fosse uma árvore seria... um coqueiro
Se eu fosse uma fruta seria... Kiwi
Se eu fosse uma flor seria... Girassol
Se eu fosse um clima seria... Temperado
Se eu fosse um instrumento musical seria... um piano
Se eu fosse um elemento seria... Água
Se eu fosse uma cor seria... Verde
Se eu fosse um animal seria um... Golfinho
Se eu fosse um som seria... o choro
Se eu fosse uma canção seria... “O quereres”
Se eu fosse um perfume seria... Givenchy
Se eu fosse um sentimento seria… a perplexidade
Se eu fosse um livro seria… “O pequeno príncipe”
Se eu fosse uma comida seria… uma torta holandesa
Se eu fosse um lugar seria... o Atol das Rocas
Se eu fosse um gosto seria... o de limão
Se eu fosse um cheiro seria… o de terra molhada
Se eu fosse uma palavra seria… Esperança
Se eu fosse um verbo seria... Querer
Se eu fosse um objeto seria… um livro
Se eu fosse uma peça de roupa seria... um jeans
Se eu fosse uma parte do corpo seria… a boca
Se eu fosse uma expressão seria… de espanto
Se eu fosse um desenho animado seria… Bob Esponja
Se eu fosse um filme seria… "Brilho eterno de uma mente sem lembranças"
Se eu fosse uma forma seria… uma reta
Se eu fosse uma estação seria… Primavera
Se eu fosse uma frase seria… “O que é mais importante, aquela incerteza desagradável e aquela confusão aflitiva, das quais você pensava ter se livrado graças à velocidade, se recusam a abandoná-lo...”

*******

...o Nando, lá do seu "A melhor novela de todos os tempos do último verão" (ufa!!!), resolveu premiar o inacreditável mundo de alex e! (ufa duplo rs!!!) com mais esse selinho super maneiro. Ele diz que "esse blog arrebenta" e eu agradeço MUITÍSSIMO, meu caro!!! É sinal de que ando fazendo algo que preste por esse mundo aqui né... rs Valeu, abração!!!
...e os blogs "que arrebentam" indicados a receber o selinho são:
- "Dominus";
- "Pois já é hora de pôr recordações para fora";
- "-Deixa eu brincar de ser feliz?" ...beijões!!!

...mais presentes, dessa vez da Gisele, lá do seu "Pois já é hora de pôr recordações para fora", que afirma ser esse mundo aqui um "blog recomendado"... Será??? bom, se ela diz, eu confio né... rs Muito obrigado, querida, mesmo!!!

...os blogs "recomendados" a receberem esse selinho são:

- "Relatos de uma guerra pessoal";

- "É só saudade...";

- "Através do meu espelho" ...beijões!!!

...outro presentinho vem lá de Goiânia, dado ao mundo pela querida Erica, através do seu "Crazy feelings" (a propósito, adoooro o título desse blog...). Ela diz que sou um dos "blogueiros que sabem comentar". Bom, assim vou acabar acreditando né, porque a Jaya já me disse a mesma coisa. Enfim, como nunca seria capaz de recusar um presente, aceito de novo esse selinho. E fico muito agradecido, viu, querida!!!
...bom, acho que esse selinho já teve indicações. Masssss, pra quem quiser, o presente tá dado de antemão, viu... Mais beijos a todos!!!

*******

...eu simplesmente não poderia deixar passar em branco uma data como a de hoje. Há exatamente 50 anos nascia um dos maiores ícones da MPB e figura marcante no imaginário pop de todos os brasileiros, e o nome dele, quer dizer, a sua marca que nos marca a ferro, fogo e palavras origâmicas trabalhadas com perfeição era (ou melhor, É): CAZUZA!!! ... A chuva lá fora, esse tempo nublado, esses nuvens pesadas parecem chorar a tua ausência, querido... Mas sei que cê tá aqui, conosco, pertinho, embalando-nos a cada momento com a tua voz, com tua arte eterna... "eu preciso dizer que te amo... tanto..."... Beijo, Caju. Te cuida, velho...

PS: eita post loooooongo... tô até sem fôlego...rs...

- música do post: "o mundo é um moinho", Cazuza

29.3.08

o ato

...eu queria escrever só pra te dizer que eu não consigo mais. Mas então me detenho com meus braços desarranjados todos em cima da escrivaninha que, destra, comodamente se oferece em uma folha branca. A caneta esferográfica com sua esfera que espera na mão enrolada nos dedos sem jeito de unhas roídas de momentos doídos que não nem nunca mais. Mas se fizer o gesto até o fim, concluindo um início qualquer porém bem pensado e roído de momentos outros que não unhas, já seria tarde pr’uma volta: revolta de não saber o que te dizer, sabendo. Porque aquilo que me impede é simplesmente o ato de me encostar na esfera que gira na caneta e no papel pra me tornar refém de mim-mesmo em mentiras que, mais bem elaboradas que as minhas verdadeiras meias-verdades, talvez fizessem com que você entendesse que: eu não consigo mais. Mas então só isso já seria a minha perdição em labirintos que eu-mesmo criei à guisa de explicações a não ser aquelas mentiras de que falei mas nunca talvez nunca mesmo terei condições de escrever, uma vez que não sei como escapar se, desde a primeira vez, escrever é um ato. Escrever pra ti, então, nem saberia dizer o que é: sabendo, porém. Se desde o ponto inicial de contacto já se estabelece a conexão mútua de corpo-inteiro-papel que traça um traço e mistura-se em códigos, laços, riscos, línguas, normas, sílabas, palavras, sintagmas, orações, períodos, textos, estardalhaços hiperbólicos e catacréticos pra te dizer somente que redundantemente eu queria escrever pra te dizer: eu não consigo. Ou talvez eu queria escrever pra te: dizer. Ou quem sabe eu queria escrever pra: te. Ou ainda eu queria escrever: pra. Ou mesmo eu queria: escrever. Ou na verdade eu: queria. Ou: eu. Ou. E depois nada. Preso num ponto que dois-pontos reticentes nada dizem a não ser tudo de uma possibilidade infinita que se encerra até mesmo encerrando-se numa mensagem qualquer em um ponto final que certamente só começa as coisas assim mesmo indefinidas de nunca serem porque ficam pela metade ou se findam em si-mesmas, já que justamente é assim dessa forma que quero que você entenda, só que não tenho como – mas gostaria de – explicar. O problema, se é que é problema, pra mim todo problema é lindo pela (não) inerência de solução, é que não há como explicar o inexplicavelmente óbvio. E assim momentos alucinantes à noite na escrivaninha destra de papel roendo unhas pra sempre chegar a esse intransitivo nunca que, dois-pontos, encerra o começo do que eu queria escrever pra te dizer que não consigo: . E não consigo justa e simplesmente por causa da tua avidez por certezas, respostas e pés-no-chão que eu nunca consegui por não alcançar nem o chão, nem as respostas e nem as certezas que, pra mim, ficam sempre no teto, mas sem o teto, sempre longe, sempre pra cima, sempre nunca. Já é tarde. Já foi tarde e será sempre tarde: matutina vespertina e noturna que tarde de novo. Essa sensação de cãibra contraindo músculos espasmodicamente dolorosa reclamando a mesma posição desposicionada de muitos dias, noites e afins, chegando a delírios ainda mais loucos que maluquices mas sem hospícios ou camisas-de-força. Liberdade aprisionada totalmente. Claro, mas escuro também. As cortinas fechadas velam o desvelado filtro que fez da luz um misto escurecido que a gente chama: sombra. Eu não. Com certeza você chamaria: sombra, como se tentasse precisar o impreciso: eu mesmo, falando de mistos misturando tudo para separá-lo e, enfim, não haver fim. Você entende o que quero dizer agora, não? Não, acredito que não. Certamente incertamente você tentaria me tentar numa certeza só, englobando-me em um significado só (tão sozinho) como signo quebrado e o espelho cínico de teu estojo de maquiagem que, aprisionado em tua vagamente precisa prisão, em seu reflexo apenas: você. Mas não posso assim pôr as coisas tão em pratos-limpos, porque até isso em mim pra ti é sujo, ou talvez indefinível. O que pra ti são ambos. Coitados de nós, digo, de teu espelho e de mim, que somos obrigados a momentos de luz em meio à escuridão (pra ti: sombra) a refletir as incertezas que transformas em algo certo pra te poder agarrar a uma realidade doentia porque excludente de todas as outras, inclusive você, o espelho e eu. Principalmente você (e o espelho, e eu) que, à parte, aceitamos somente enquanto queres ter: (a) certeza. Assim talvez sejamos apenas os parênteses que lhe (in)determinamos o sentido, porém causando o (d)efeito de deixar-te tão sóbrio e tão bêbado que acreditas piamente estar em linha reta. Talvez agora, seja lá quando foi/é/será, eu nunca saiba porém sabendo o que tanto eu queria mas não querendo te dizer: ...

- música do post: "boa sorte/good luck", Vanessa da Mata & Ben Harper

23.3.08

num dia de páscoa

...falou-me de flores e chocolate. Jogado num canto da sala. De flores porque eu cheirava à inocência de um jasmim, por causa da singeleza de uma margarida e porque reinava em mim a paz de um cravo branco. Não mais rubro por falta daquela ganância de antes. Não. Encerrado em mim. Sepultura de minha alma. Meu corpo. Sem gana de vida. Eu jogado num canto da sala. De chocolate porque amargo, do jeito que eu gostava. Não mais doce por falta daqueles tempos de antes, quando tudo não passava de manhãs e cafés na cama e morangos com chantilly. Não. Os morangos agora mofaram. É tempo de nova colheita. Sem gana de lida. Eu jogado num canto da sala.
Do outro lado – oposto – antagonista você. Encarando os meus pés cruzados nas vestes brancas. Já me havia falado. Silêncio. Nada mais agora era dito. E nem deveria ser. O que eu precisava saber estava em mim mesmo, porém em surpresa ainda não revelada. Segredo em teus olhos verdes, transbordando de lágrimas por minha incompreensão. Como se eu pudesse facilmente desfazer aquele laço de fita vermelha de cetim e desvencilhar-me do papel-embrulho colorido e brilhante, revelando à luz da escuridão de minha alma um ovo: um ovo de chocolate e, ao abri-lo, extasiar-me ante a beleza intacta da rosa: branca – como um pedido de paz. Em vez de lenços, um próprio ser vivo e complexo e belo me implorando a paz que no início pensei ser a do cravo. Mas não, não é a mesma paz funérea de um cravo branco, descolorido e revelado de súbito em sua nudez por deixar a sua vermelhidão escorrer minhas veias afora manchando as minhas vestes brancas.
Só então entendi que era você, do outro lado da sala e seus olhos verdes transbordando antagonismo, parábola de mágico usada pra me fazer enxergar, pra me fazer finalmente enxergar que, na verdade, eu estava errado esse tempo todo, ao acreditar que a única paz que me era possível era aquela de cravos brancos e nus e seu vermelho escorrendo aquele meu vermelho pra fora de mim. Mas talvez agora seja tarde demais, pois, chegando a tal compreensão, perdeu-se aquele aroma súbito da inocência de um jasmim que pairava no ar e restou-me apenas a loucura amarela do centro de uma margarida.
Hoje é domingo de Páscoa. Hoje não há sol nesse domingo. Não pode haver loucura em um domingo de Páscoa. A não ser que se negasse a si mesmo, à sua própria existência: um renascer, uma renovação, um rejubilar-se de vida e morte. E então talvez – e só talvez – eu poderia crer que haveria uma esperança em meus fluidos agora não mais rubros e sim lívidos não como cravos, jasmins ou margaridas, e sim como uma rosa branca – branca rosa, isso apenas, apenas isso, em inverso e reverso – e não à paz funérea, olor de inocência e loucura, como aquelas, em que seus contrários lhes são não só antitéticos como paradoxos em si mesmos. E então talvez – e só talvez – eu percebesse finalmente que sim, meu deus sim, há solução, há verdade, há você, há alguma esperança nesses teus olhos verdes transbordando de antagonismo do outro lado da sala. Quem sabe algum dia eu possa acreditar nesse teu gesto de laços de fita vermelha de cetim e embrulho colorido e brilhante: um ovo de chocolate amargo com uma rosa branca dentro.
Simplesmente assim ficaria, agradecido e morto de Paixão, às vésperas da aleluia de teu chamado que preciso acreditar ser sincero, mesmo que adornado do chocolate amargo que adoro, do embrulho e da fita que me enchem os olhos, e tudo isso pra ressuscitar hoje, em pleno domingo de Páscoa: outro, renovado, revigorado, renascido, quem sabe em um ovo também outro, também adornado tão belamente e com a mesma boa intenção pulsando por dentro, intenção sincera, de coração, de cor, que é justamente o que vale e o que é justo a você.
Justo, mas quem aqui falou em justiça? Não, não posso esquecer, não posso pacificamente esquecer o que fizeste apenas por um gesto tardio e agora oco de significado. Por um momento deixei-me enganar, por um instante quis estar enganado, errado, avesso. Mas não posso, e nem poderia. Trair a mim mesmo não me é mais uma opção. Tenho de ir até o final, até o fundo, ao fim de minhas próprias forças esvaindo-se nesse canto de sala – assim te dou o que mereces: em vez de branca rosa branca, um jardim inteiro de cravos também brancos e rubros, mas funestos, decorando a tua paz infernal de cova-rasa, o cheiro sufocante da inocência de jasmins e a irritante singeleza louca e branca-amarela das margaridas que, todas flores, todas unidas, cerrarão os dentes do sorriso diabólico e frio e sarcástico da vingança que eu quero fria congelante neste domingo de Páscoa absolutamente sem sol e tomado pela traição que me infligiste: tu és Judas e me renegaste perante os teus, antes mesmo de te renegares a mim mesmo, e agora choras essas tuas lágrimas verdes (de pena, arrependidas?), depois de me crucificares e de me veres morrer aos teus pés. Porém nunca implorei nem imploraria clemência. Eu quero a revanche: tu vencido derrotado combalido massacrado aos meus pés cruzados.
Agora não me venhas com choros, ovos e adornos, muito menos com brancas rosas brancas: tuas lágrimas são de crocodilo, teus verdes olhos de vidro, tua esperança é simples receio. Não fujas, agora é tarde demais: já me extravasei todo. Estou de novo puro, de alma lavada, de espírito outro que não a cor rubra de minhas vestes antes brancas, prova maior da tua traição de outrora. Sento-me e então faço de meu sangue encharcado o vinho tinto com que brindarei a minha vitória. Até a última gota. Até espremer meus panos de tal maneira que se purifiquem de novo, brancos como o novo fluido que me corre nas veias. Sozinho, bêbado, completamente inebriado de minha nova existência, de meu novo eu que tu desperdiçaste, te direi:
Nunca mais me fale de flores e chocolate. É tarde demais. É Páscoa. Não acredito em ti...

*******

...a sempre queridíssima Jaya, lá do seu "-Deixa eu brincar de ser feliz?", resolveu premiar o inacreditável mundo de alex e! com mais esse selinho super ultra bacana. Ela afirma que este que vos escreve é um dos "blogueiros que sabem comentar" e eu fico muito feliz de saber disso, pois sempre faço questão de ler os blogs que aqui 'tão linkados (quando posso, claro...) e deixar umas palavrinhas de carinho. Bom, resolvi então não "indicar" propriamente blogs a receber também esse selinho, e sim prestar uma homenagem àquelas pessoas que aparecem aqui pelo mundo e também "sabem comentar", deixando outras palavrinhas de carinho pra mim. São elas:

- Cris ("Dominus");
- Jaya ("-Deixa eu brincar de ser feliz?");
- Aninha ("Pensamentos da poetisa");
- Amanda Bia ("É só saudade...");
- Teresa ("Caneta vazia")

...beijão!!!...

...mais um presentinho liiindo de viver, dessa vez dado ao mundo pela fofíssima Amanda Bia, lá do seu "É só saudade...". Esse é um selinho muito especial pois, além de ter sido criado agorinha pela Amanda, representa aqueles que ela considera como seus amigos virtuais na blogosfera. E eu me sinto muito honrado de fazer parte deles, querida!!! Bom, como não poderia deixar de ser, todos aqueles que aqui estão linkados podem se sentir agraciados com o selinho, pois já os considero como verdadeiros amigos virtuais, tá bom? Beijão a todos!!!...
...ps: o Snoopy não é uma graça??? rs...

- música do post: "o amanhã", Simone

20.3.08

saudades de mim

...ultimamente tenho postado apenas textos que configuram o outro. Bom, não que neste "outro" que escrevo não tenha algo do "mim" que motivou esse post; é claro que se fundem as interferências constantes que sofro (e que todos nós sofremos, obviamente...) às minhas próprias posições e concepções do que seria o mundo & afins. Massss, pralém desse discurso que se quer quase como um relato psicologístico do meu atual estado de consciência - ou não... - o fato é bem mais simples. Na verdade, nada tem de complicado e é: estava com saudades. E já é engraçado tudo isso por não ser 1 "saudade". Aliás, nunca consegui escrever "saudade", assim, pura, no singular, sem achar que tô sendo, pra dizer o mínimo e ficar no limiar dos limiares da superficialidade, pedante (e como todo pedantismo, artificial...). Mas vá lá, não é sobre isso esse quiprocó todo. Saudades escrevo como quem tem os pés no chão de (se) saber que é diluído nessa grande massa que nos rodeia. De gentes, barulhos, luzes, escuros, números, notícias... enfim, poderia citar infinitamente todas essas pequenas coisinhas, diminutas partes do que se tem pelo belo nome de modernidade. Somos todos modernos, certo? Certíssimo. E não por escolha, mas por simples condicionamento. Não se dá pra viver fora da roda, pra citar palavrinha de Caio F. e me sentir de certa forma íntimo e erudito (anacronismo óbvio...) e/ou virtualmente desconectado disso tudo... oops, eu disse desconectado? Perdão, pois nada disso se justifica num mundo que só funciona à base de teias ultra modernas de cabos de fibra ótica, carbono, bits e pixels... o quão grande é teu hd? será a pergunta de pós "ismos" de "classe". Não importa, e sim o que eu faço com ele através do meu incrível processador (possível resposta...). Vem cá, o assunto não era eu e a saudade de mim? Ah sim, me distraí. Talvez porque a síndrome do "quem sou eu?" nunca encheu tantos consultórios de pseudo terapeutas, analistas, psicólogos e demais experts do gênero que ainda tenta nos decifrar. Quem conhece a nossa alma? quem pode desvendá-la? Ninguém, jamais (se é que ela existe... "ela"??? e eu achando que feminismo tava fora de moda...). E tá, não porque não se justifique (?) mais, e sim porque não dá mais. Entender-se não vai resolver nada, e muito menos punhetismos deslocados. A esfinge vai é te comer, meu caro. Tudo bem, admito que a coisa toda fugiu ao meu controle, logo ao MEU, aquariano de carteirinha (de nascimento e horóscopo), neurótico de plantão e membro ad infinitum do clube dos suicidas fracassados (vizinho à sede dos mal-amados e não-correspondidos e incompreendidos-pela-humanidade-vazia-de-significado), em que chafurdo de vez em quando........................ Ufa, pronto. Matei as saudades e desabafei comigo mesmo. O triste da estória (que não tem moral, é claro) é que me acho tão melhor quando não apareço por aqui, digo, a não ser quando a interferência alheia me obriga a descrevê-la nos textos em que me mostro mais eu do que nesses posts cafonas envernizados pra parecer "de conteúdo". Aos "outros", então...

- música do post: "maior abandonado", Cazuza

15.3.08

pelo nada um fio de lã

“Será que vale a pena abrir a janela, escancarar a alma e enfrentar o mundo?”

...assim que se vai nessa noite sabe-se que não há mais jeito. A repetição é sempre especular e sempre pra baixo. Não há como subir, não há como se salvar – e pra quê? se já não há serventia nem pros sapatos gastos que não fazem barulho de passos – de nada? No silêncio te procuro não como quem quer escapar; sei que a queda é iminente. Questão de tempo (ou de querer, simples coragem...). Te procuro como a face outra dessa que enxergo aqui por dentro, com esse meu terceiro olho furado e vazio que por muito tempo acreditei ser a solução de tudo. Da mesma forma como não te encontrei, nem em sorrisos nem no cuspe que ainda escorre pelo meu rosto, não vislumbrei aquela face minha que tu me deste.
E as folhas agonizam como as cinzas das horas que se findam no relógio opulento e sem ponteiros. A única luz possível é um rastro de rastilho da lã que, pólvora, estende a explosão anunciada lá bem longe de onde estou – pra onde vou. Daqui a pouco, agora não. Segure-se, segure-se bem firme ao corrimão. Não queiras cair antes da hora, despencar ante o segundo exato da queda-livre ensaiada. A simetria é absurda, envolvente, quase me hipnotiza em seu mimetismo próprio. Não querias saber a sensação? Não querias, de uma vez por todas, acabar com a dor? É simples. Eu sei. Esperemos, pois. Que ao longe a vista embaça, as lentes sujas, o mundo estagnado e as minhas lentes sujas, ou esse mundo de braços retorcidos e pelados? essa natureza morta-viva, essa penumbra de frio e solidão. Não me desampares agora, não há mais ninguém aqui. Aqui. Aqui não há mais ninguém. Tens razão. Mas é preciso que se enfrente tudo por si mesmo. Não há fuga, não há jeito. As coisas clamam por ti. E que venhas tu, às coisas, que elas te esperam, que te espero. Não aí. Não daí onde estás. Não. Vem a mim.
Não escuto o clamor. Só o silêncio preenche o lugar, esse lugar que é sempre o mesmo, até nunca mais. Nem medo – não, não há medo –, apenas essa sensação de corte fino e a pele enrugando-se e descascando-se até que pequeníssimas ranhuras brotem em sangue, rusgas de meu corpo com o corpo do mundo, que rejeita essa matéria sua como feto abortado de minha mãe, da primeira mãe, de todas as mães. Há sempre o momento em se regurgitam os abscessos purulentos que incomodam à carne alheia, à túrgida carne da natureza que se nega ao colorido que lhe mascara o sentido último, a pulsão primeira: a liberdade. Contudo a liberdade é cruel, amarga, feia, só e não serve de nada. Ninguém a quer. Não a quero.
Apanho o fio. O bolo ainda é pequeno. Posso vê-lo meio sem graça, envergonhado e verde um pouco mais abaixo. E confortável. Aquele novelo de lã em verde bolo transmite o acalento de um abraço teu, apertado, amigo, paixão de graça descoberto em simples desenrolar, movimento contínuo, abrir de zíperes, botões espatifados no duro e sujo chão de concreto. É lama, não sujemos as meias brancas, não maculemos o nosso segredo só nosso, não deixemos nós que os outros, à espreita, porque sempre os outros à espreita, façam razão de nossos atos, maneiras tão nossas de ser. Danem-se. Um fio de lã verde, você. As coisas clamam por mim. Me espera, tô indo. O vento bate em minhas costas, zéfiro, violento, cambaleio qual bêbado por ti, só naquele fio de lã me seguro, e só por ele – você – até ti, me guio. O novelo corre veloz lá pra baixo por onde as vistas embaçam e os ruídos misturam-se ao murmúrio das folhas que viram cinzas e cobrem o manto rubro escarlate do término num baque seco, gritado, sereno...
- música do post: "esquadros", Adriana Calcanhotto

10.3.08

bicho-gente

...dos vestígios da causa, efeito. Então o metrô parou. Saiu. As outras estátuas humanas também. Pelo mesmo buraco, caminho, resquício de passagem passavam passageiros espremidos de si-mesmos, comprimindo sensações em kbits que era pra caber tudo, bem compactadinho, des-frag-men-ta-do. Coisas a fazer, coisas que são. Sem se deixar abater. Não, os circuitos não agüentariam sobrecarga. Então curto-circuito.

Aconteceu.

E de repente convexo. Riu-se quando ele disse. Convexo convexamente num estreito que não Bósforo mas assim estreito, dois de cada vez – à direita, pros que param e cedem passagem à pressa alheia. Em todo lugar do mundo é assim. Sim senhor, me desculpe, pois não, passar bem (mal). Sorriu um só-riso que nem da outra vez. Convexo, pensou, sentindo aquela mesma graça, porém já um pouco desbotada, de antes. Durante agora depois. Já passou. Hoje em dia é tudo... Nada, da mesma forma que antes-agora já era pra ser-indo antes-agora-depois. Não. Isso não é coisa de gente. Nem de bicho. Bicho-gente. Ser humano? (O) ser: entidade do mundo biossocial, quer mais abstrata, quer mais concreta. E mais ou menos? É, pode ser. Todo mundo e ninguém se dá conta da graça dos degraus da escada rolante subindo subindo subindo até o ponto onde engole a si mesma a subir-se engolir-se sempre num movimento eterno maquinal funcional pragmaticamente prático. Nem se olham. Ninguém mais se olha no olho. Parecem todos subindo subindo subindo até o ponto onde engolem a si mesmos a subirem-se engolirem-se sempre num movimento eterno maquinal funcional pragmaticamente prático. Igual à escada rolante que só rola o rolo desse abatedouro pró-e-contra-humano fabricado por essas entidades (mais) concretas do mundo biossocial. Humanos. Não perceberam ainda porque seus circuitos transístores de plasma precisam de lubrificação extra. E na cabeça que processa só as contas a vencer. Faz de conta até o que é de graça. For free, for all, forró. E os robozinhos dançam suas mesmas danças robóticas até que, robôs integralmente, novamente na segunda-feira recomeçam do começo ao fim. Hoje é sexta-feira, convexo, ninguém achou graça. Minha vez de passar pela catraca...

*******

...tanto a Andréia, lá do seu "Relatos de uma guerra pessoal", quanto a Aninha, do seu "Pensamentos da poetisa", resolveram premiar o inacreditável mundo de alex e! com mais esse selinho suuuuper legal!!!!! Ambas afirmam que "esse blog não me sai da cabeça" e eu começo a acreditar viu... (ou será que foi só 1 coincidência as 2 lembrarem aqui do mundo ao mesmo tempo...? bom, como eu não acredito muito em coincidências...rs). Enfim, agradeço a ti, Andréia, e igualmente a ti, Aninha, pela lembrancinha muito da bacana, viu!!! Um beijo bem grande pra vocês, queridas!!!...

(os blogs que "não me saem da cabeça" indicados ao selinho são:

- "Dominus";
- "Deixa eu brincar de ser feliz?";
- "É só saudade...";
- "Caneta vazia";
- "Chá das cinco"...)

- música do post: "encontros e despedidas", Maria Rita

5.3.08

crochê

...No braço a sacola pesava de ovos e verduras. No meio da rua as próximas contas a pagar. Veias azuladas pelo esforço e a cabeça levemente dolorida pelo cansaço. Dessa vez nem dinheiro pro cigarro havia sobrado, besta constatação. Distraída no sinal aberto, a buzina pegou a mulher de surpresa em seu vestido estampado. Quem diria, as pessoas riam escondidas, riam dela? quem diria que hoje aquela mulher andaria por aí de óculos de grau e vestidos estampados. Ela escutava. Ela via. E sujos, imundos da poeira do movimento do dia. Que não muda, impregnado nas roupas, impresso no rosto. Marcas, manchas, furos e rugas acumulados dentro da máquina com amaciante.
Do outro lado um longo destino se descortinava em meio à multidão de fim de tarde. Mas não tinha como passar. O cansaço era muito grande e não havia espaço pra ela, tão mulher, tão pesada de suas angústias, de suas ânsias e desejos jamais realizados. Aonde ela estava indo? Tão cedo pra chegar em casa, tão atrasada em relação a si. Tanto o que fazer, meu deus. E quase já não há mais sol. Melhor correr, já que fica difícil enxergá-la, tão comum, tão indiscernível, dentre todos que passam na mistura das gentes num início de noite, período de dúvida e olhos cada vez mais fechados, sonolentos.
No entanto a distância é grande, é longe e pra sempre. Aquela mulher no perigo de se apequenar e ser engolida, ou quem sabe pisada até esmagar-se na turba lodosa. Sem saída, havia apenas um resto de trilho, um esboço de caminho o mais curto, o mais fácil – frágil – a seguir. Não tinha medo de se humilhar, que nessas horas ninguém repara, ninguém nota. Os barulhos são constantes, as pessoas tão despertas em seus mundos tão particulares. Me-ga-lo-ma-ni-a. Há muito a mulher não pensava. Nisso, em saber o que é isso. Em sentir correr-lhe nas veias justamente isso. Pura loucura, pura substância. Houve uma época em que sim, havia importância em não se importar e, num longo suspiro, expirou suas dores de tal modo que nem mesmo o cigarro fazia falta. A baforada que deu espantou a cefaléia, afinou o sangue e deixou de lado a sacola.
Na possibilidade de ser livre novamente, aquela mulher apostou as últimas fichas que encontrou pela calçada suja. Sim, faz muito tempo. Sim, agora tudo mudou. Sim, está tudo tão diferente. Porém a mulher sabia que, de dentro daquele corpo, na sensação embriagante da câimbra de seu ser, havia forças pra gerar naquele útero um dia fértil a força de vida de um sorriso dourado de girassol. Gira sol, gira mulher, gira mundo até a fonte cristalina, até o momento de êxtase, cabelos longos soltos ao vento, ao sabor da doce maré, flutuando na onda de paz e amor, dedos em v, flor no cabelo, qual o berloque rodando, pendurado ao pescoço jovem mordido pela boca vermelha dele, dele que fora a sua paixão, dele que um dia sumiu depois daquela noite perfeita, louca e de pura ressaca no dia seguinte. Dele de que nunca mais viu os pêlos, os longos cachos, o corpo rijo, a camisa florida, os poemas endoidecidos e altos, tão altos quanto o volume do Chico no toca-fitas – shhhh, abaixa que é proibido – aquela coragem, aquele destemor, aquele brado eterno que pra sempre sumiu. Nunca mais teve notícias, nunca mais aquela voz rouca rapidinho no orelhão, que era pra não perder a ficha. Perdeu. De repente o sonho acabou.
Não queria passar por maluca pros pais, família & companhia Ltda., e assim nunca mais fumou, a não ser Carlton, encaretou, tomou jeito, fez faculdade, mestrado e doutorado, conheceu um advogado promissor, só que bem mais velho que ela, entradas pronunciadas, casou-se, a lua-de-mel foi uma droga (o cara brochou mas tudo bem ele sempre brocha), teve dois filhos (nos únicos dois minutos que o cara não brochou, um pra cada um), a promessa foi pro brejo, o apartamento é de aluguel, nunca fez carreira, os diplomas esquecidos na poeira do fundo do armário, mulher minha não trabalha, grandes coisas, vivem na merda, a filha é lésbica, o filho é gay, melhor assim não me dão netos, tô velha, provavelmente com câncer, sente tumores crescerem dentro de si, nutrindo-se de sua matéria deteriorada, apossando-se de seu útero. O que mais posso gerar?
Alguns pássaros cantavam. Não, eram rolinhas que arrulhavam. Feias, tristes, cinzas, sujas. Não havia ninguém na rua. A praça deserta. Era frio, era inverno, o chafariz entupido, resfriado. Passara em claro a madrugada. Não deram por falta, a comida tava congelada mesmo. Tomou a sacola do chão. Os ovos quebraram, as verduras fediam. O sol, tímido, em vão iluminava a mulher naquela pontinha de concreto...

*******

...a sempre fofíssima Jaya, lá do seu "Deixa eu brincar de ser feliz?" conferiu ao mundo aqui outro selinho de qualidade. Ela afirma que esse blog é "total force" e eu agradeço de montão, querida... o selinho e o carinho que tens por mim. Beijão pra ti!!!...

(...os blogs "total force" que indico são:

- "Pensamentos da poetisa";
- "Através do meu espelho"...)

...outro prêmio, dessa vez conferido ao mundo pela gentilíssima Cris, lá do seu maravilhoso "Dominus". Ela diz que esse blog de quem vos escreve "proporciona sensações alucinógenas"... ai, que medo...rs Achei super divertido esse selinho. Muito obrigado mesmo pela lembrança, querida mineira. Um beijão carioca procê!!! Ahhh sim: a Cris também falou que o blog aqui é "parada obrigatória", masssss como o mundo já havia levado esse selinho da Aninha, lá do seu "Pensamentos da poetisa", achei por bem não repetir né. Porém, Cris querida, teu nome tá lá no selinho também, por mais essa lembrancinha. Outro muito obrigado e outro beijo carioca pra ti, viu...

(...os blogs altamente "alucinógenos" que indico são:

- "Jornal da lua";
- "Pois já é hora de pôr recordações para fora"...)

- música do post: "think (freedom)", Aretha Franklin

29.2.08

descobrir-se

(...também poderia ser: do(s) dedo(s) preso(s) na dobradura da porta; ou: a verde queimadura solar que arde em girassol; ou ainda: descobriu-se num beijo traiçoeiro que lhe matou a carne e enlouqueceu-lhe o espírito...) Escolha, sabendo que tanto faz...

Entrou e fechou a porta atrás de si. Mas de certo modo era como se tivesse ficado do lado de fora. Não ele, como um todo. Talvez alguma parte sua. Assim como se houvesse um dos dedos seus entre as dobraduras. Nesse caso haveria dor. Não há nada, porém. Arrastou-se deixando as costas roçarem a parede até o ponto em que seu corpo formou um ângulo reto em relação ao chão. Reto: o ângulo; ele: obtuso. Abrindo-se em relação... Não saberia dizer a quê, mas era algo novo – sim – algo totalmente diferente se apossara de seus domínios mais guardados, de seus segredos mais secretos. Alguma coisa havia de diferente, ou melhor, de não-igual. E isso após o beijo.
Aquele beijo único mudara a sua vida. Não seria mais o mesmo; não era mais o mesmo. Arrastado em ângulo reto com as costas contra o branco da parede se sabia cada vez menos. Como se algum dia tivesse se sabido. No entanto agora ainda menos, menos. Menos. Tão menos que de repente mais, mais. Mais. Assustou-se. No início não. Mas assustou-se quando se percebeu desse jeito, tão revelado de si. E não por conta dele. Fora algo de fora, e talvez fosse isso o que o espantava tanto: de fora, de outrem, da boca dos fluidos da alma de algum outro. E que ele mal conhecia. Nunca havia feito antes. Isso. De beijar, não. Mas de beijar o desconhecido. Era algo como entrar em contato com um pedacinho do Indizível, da Essência de seu próprio espírito conjugado em carne. Unindo a sua carne àquela outra carne chegara ao cúmulo de seu próprio espírito: a conjunção de sua alma consigo mesma se fez tão intensa e tão singela ao mesmo tempo paradoxalmente que doeu doeu doeu tão forte que lhe deu uma falta de ar tamanha. Desfez o ângulo reto que lhe comprimia a espinha e correu à janela. As cortinas estavam fechadas. Deu à luz o seu brilho. Não dele, mas da própria luz, através do sol aceso e vespertino – afastando como a um louco a sua (in)consciência as cortinas, viu-se todo iluminado pela primeira vez: pela primeira vez a sua inteireza havia sido revelada como foto antiga, em preto-e-branco com charme de technicolor. O verde de seus olhos ardeu como o vermelho do fogo. Também havia o fogo, a paixão, o amor, o prazer, o puro tesão no olhar, voltado para a luminosidade até os confins de não-saber-onde. Ter na iluminura a salvação de ver-se a si próprio é como um girassol que roda ao redor da quentura leniente do sol.
A sensação novamente em seu corpo, em sua carne, por dentro. Quente como o sol. Queimando como o fogo mais profundo de seu ser, colorindo de verde o seu próprio sangue. Ah, o choque dos dentes, o sabor da saliva escorrendo ele adentro, a língua, as línguas, o movimento das mãos descobrindo bocas, lábios se tocando, se mordendo, comunhão mais-que-perfeita de carne & espírito. Mas não. Todo aberto, todo dado, todo claro não podia ser. Qual a vantagem de se ter por inteiro, assim, na ignorância impávida de uma rocha? Ele se sentia qual uma rocha. A diferença, porém, era que ele sabia ser uma rocha. A rocha é rocha sem saber-se de si. Não há um si. Nem possibilidade.
A possibilidade. Tantas coisas ele podia ser. Imaginara tantas vezes. A certeza de agora lhe tirava essa chance. Ou todas as outras. Ele estava certo do que era. Ali, parado em frente à janela aberta que dava pro sol queimando de verde a face: sabia-se. Com certeza. E isso não podia. Não queria. Antes, sim. Era sedutora a idéia de possuir-se por inteiro, ele que sempre se achara tão perdido em meio às suas inúmeras partes. Porém o resultado era plenamente insatisfatório. E a culpa disso era do beijo. Daquele beijo. Único que lhe fez também único. No meio do caminho um gole de saliva. Estranha. No meio de seus fluidos uma língua. Estranha. No meio de sua alma, ele-mesmo. Estranho. E pra sempre seria assim. Vendo-se como era, sem análises ou racionalismos que morreram todos naquele instante ínfimo de romantismo, ou, melhor dizendo, de não-pensar (sabe aquelas coisas doidas que a gente faz e depois se pergunta “meu-Deus-onde-é-que-eu-tava-com-a-cabeça?”). Pois é. Ele não pensava nisso. Aliás, não pensava em nada. Tinha no fundo de sua razão aquilo que deveria fazer. Um algo que lhe soprava por dentro dos ouvidos. Só que mais por dentro ainda. Decerto não adiantaria furar os tímpanos. Não. Pois agora os sussurros eram gritos e lhe apertavam a cabeça contra todos os seus ossos. Gritou, e gritou o mais forte que pôde; seu cérebro esmagando-se contra o crânio, seus músculos todos reclamando um vazio que não lhes podia oferecer. Como fosse todo fraturar, debruçou-se sobre si num ato louco, gemendo, uivando, urrando como besta. Até que num clarão de sua mente aos desesperos surgiu-lhe a derradeira e singular opção, posto que única, transmutada de certeza una: ao ver-se através daquele beijo, desnudou-se-lhe todo de suas máscaras e de suas fantasias quanto a si próprio, e isso não agüentava, não aturava se ter por completo, pesava, doía sobremaneira, tanto que seu corpo físico lhe reclamava sobre algo que nem ele nem sua (des)matéria poderiam suportar. Por impossibilidade, não por falta de escolha, pois que são diferentes: com os próprios dedos, fatigado de sua presença, arrancou de súbito os próprios olhos. Ardia e escorria todo em sangue pra fora pra fora sempre pra fora junto ao líquido verde que o sol queimara e, espesso, misturara-se à sua substância de gente.
O desespero só fez aumentar: na ignorância de saber-se por completo, não reparou que seus olhos de homem, de humana pessoa, é que nada lhe diziam: havia a sensação de si-mesmo impressa na alma, por conjugação com a própria carne. Através daquele único beijo uno viu-se por completo, obtuso em ângulo reto comprimindo as costas contra a parede branca. E não suportou. E não entendeu. Porque dói, e doeria cada vez mais. Cego do mundo, vidente de si, num ato final atirou-se sem tatear nem pestanejar pela janela aberta, sem hesitações em pleno dia de sol, girassol rodando num rodopio maluco até o chão de cimento. Cinza. Quente. Aconchegante. Finalmente a paz. Do corpo. Pois o espírito, pra sempre descoberto, não se encaixa em seu não-existir.
Descobrir-se é como bater a porta e deixar um dedo na dobradura. Mas não há dor. Então não há nada. Apenas o sol que queima ardente um fogo verde e desesperado pra dentro e por dentro da gente.

- música do post: "meu mundo caiu", Maysa

25.2.08

e kem disse q era fácil?

...parece que quando dizemos "mudei" tudo se transforma. E é claro que não é bem assim. Pra nós. Pros outros. Masss a cobrança está lá e só aumenta. Por quê? Simples: porque nós - e também os "outros" - desejam que cumpramos com as nossas obrigações diárias e, dentre elas, estão as nossas (malditas) promessas. Nem incluo aqui as tais que fazemos no final do ano às 23:57 do dia 31 de dezembro. Ou mesmo aquelas que reiteramos durante janeiro inteirinho e que, assim como as férias - e o carnaval... - terminam em março. Falo das GRAAANDES promessas. Dessas que, com caps lock, exagero e tudo mais, são capazes de modificar as nossas vidas pra sempre pra sempre pra sempre pra sempre......... e o eco torna-se tão intenso que, realmente, acreditamos nisso tudo. Eu já jurei várias e várias coisas por várias e várias vezes pelos maiores e menores motivos... Se já deixei de cumprir algumas? Bom, deixo o meu orgulho de lado e digo que: sim, já deixei. Mas claro... afinal de contas, somos todos seres humanos, certo? Errado. Pelo menos pra mim. Não deixo de cumprir as minhas promessas que envolvam os outros - e isso engloba trabalho, amizades, amores, colegas, familiares, encostados ou qualquer outra coisa do gênero... Massss quando chega a minha vez... ah, é aí que o bicho pega, pois sempre me vejo "descumprir" quase tudo aquilo que eu um dia prometi, jurei de dedos cruzados de escoteiro que jamais faria (ou, por outro lado, que faria o quanto antes...). Bem, como nunca fui escoteiro, acho que posso me dar esse crédito. Sim, posso, eu sei. Mas acho também que não posso mais ficar me enganando. Aprendi a certo custo como dizer "não" pra muitas situações e pessoas - e talvez seja por isso que, quando prometo algo a elas, cumpro. Porém, comigo mesmo a banda toca diferente, assim meio fora de tom e desafinado, e eu vivo tropeçando nas cascas de banana que planto pelo meu caminho. Não, ninguém me disse que era fácil mudar. Eu que me prometi, jurei que seria outro e... Bom, nada muito feito até então. Também não tô frustrado, não é pra tanto. Percebi apenas que querer muito algo não significa obter esse algo, mesmo que pra tal nos prometamos certas coisas... Por isso não quero mais me prometer nada, coisa alguma que seja. Ao contrário: quero fazer tudo pra mim sem o peso das cobranças de um "eu juro". Meu. Dos "outros". De quem quer que seja. Não é ser egoísta, e sim ser eu-mesmo. Assim como tô ou diferente, quem sabe. Quem sabe? Ninguém. Não é fácil. Não é difícil. Amanhã começo. Prometo... oops, fiz de novo... e quem disse mesmo que era fácil?...

..."mas prometer algo a si mesmo é estar fadado à traição"... (incrível como a gente escreve as coisas e nem se dá conta da verdade delas...)...

*******

...a querida Eury, lá do seu "Igualdade na diferença", me mandou um elo de uma corrente super bacana. Pelo que entendi, eu tenho de "eleger" 12 palavras da nossa riquíssima língua portuguesa que me soem interessantes, diferentes, bonitas ou que simplesmente me chamem a atenção... Bom, vamos lá (ah sim: a ordem em que aparecem não quer dizer nada...):...

...melancolia...
...liquidez...
...melífluo...
...fluido...
...paralelepípedo...
...conquanto...
...borboleta...
...girassol...
...esperança...
...tristonho...
...taxonomia...
...esverdeado...

...como essa corrente é super gostosa, passo a quem quiser respondê-la. Ai, tenho certeza de que vou querer mudar tudo assim que postar...rs...

- música do post: "o quereres", Caetano Veloso

22.2.08

apenas um rapaz

...o que o tornava diferente naquela noite era o fato de não chorar. Chovia forte, um frio cortante subindo-lhe pelas costas até os fios mais finos de cabelo da nuca loura e: não, ele não chorava. Mantinha-se ereto, firme, estóico como uma daquelas montanhas geladas dos filmes que assiste, de vez em quando, em suas madrugadas insones. Sozinho como as montanhas geladas, e um sorriso irônico coloriu meio amarelado sua face alva encostada no vidro esverdeado da janela aberta.
Esse rapaz não tinha pai nem mãe, o que podia fazer com que pensassem que o jeito meio distante e reservado, apesar de sua nítida extroversão, era apenas um reflexo disso. Digo com segurança que não, não era um reflexo disso. E digo porque conheço esse rapaz, e sei que se fosse de outro modo, ele o seria do mesmo modo, do jeito como eu ou qualquer outra pessoa que já o conheça (ou que venha a conhecê-lo) aprendeu a decodificar.
Mas se eu dissesse desse modo, certamente pensariam que o rapaz é complicado. Também não. Nessa noite incomum de frio cortante após um pleno dia de sol, escondido em casa como um bicho de vida noturna, após isso o rapaz apenas pensava em sair. Não sabia pra onde e na verdade isso era o de menos. Saber aonde ir ou o que fazer não faz parte de seu repertório de vida – esse rapaz não ensaia, não é do tipo que vive quadrado. Pelo contrário, ele não tem ângulos nem script; ele improvisa. O rapaz é redondo, apesar de sua magreza. Ser magro, aliás, dava-lhe a destreza de escapulir pelas menores frestas quando bem lhe conviesse ou quando fosse o momento oportuno. O rapaz é redondo sim, mas redondo de alma. Uma sorte e tanto, pois isso é de nascença adquirida, algo que não, não se aprende: ter a alma redonda proporciona, em um alguém, uma capacidade de adaptação única. Possuir a noção exata de qual máscara vestir em qual determinado momento fez do rapaz uma figura hábil, quase caricatura de si mesmo. Se o escorpião encalacrado pelo fogo desespera-se e finalmente opta pelo suicídio – escapismo covarde – em vez da morte certa o rapaz funde-se ao próprio fogo, aproveitando o seu calor pra depois calcinar em vingança aqueles que lhe atearam, sem dó, a sua mortalha.
Em suas longas poucas décadas de vida, ele, o rapaz, aprendeu a alto custo que confiar nos outros nunca é a melhor opção. Sua defesa é o prévio ataque. Sair como estrela de espetáculos em que lhe caberia somente o papel de coadjuvante era o que mais o impulsionava. Tinha confiança em si próprio, e a certeza de que pra ele havia sido reservado o melhor dos destinos. E sozinho. Que se dane, não precisava de quem quer que fosse mesmo. Sozinho. Talvez incompleto, mas ciente de si. Pro rapaz, a aparente completude das coisas apenas lhes camuflava suas fraquezas. E por isso é que se tinha forte.
Pronto, enfim decidira-se. Realmente ia sair. Optando por sua máscara de morcego, pensava em quantas e quais seriam suas vítimas esta noite. Aquela era sua máscara mais recorrente, a que usava nessas noites de frio cortante e lua cheia. Não era de uivar como os lobisomens fracos e carentes. Era de morder e arrancar do outro a sua própria subsistência, que consistia em basicamente provar ser: mais forte, mais inteligente, mais sagaz, mais rápido. Mais. Subjugar a existência alheia não era o seu objetivo primário, e sim uma de suas conseqüências secundárias.
O sorriso irônico amarelado deu lugar a outro, de um brilho misterioso e maléfico. E sarcástico. Presas a postos, estava pronto pra mais uma noite. Já é hora, é meia-noite, expansão de território, revista de suas posses. Um dia ainda seria muito, muito mais do que qualquer um. No entanto ainda era noite alta e ele não tinha a noção. O sorriso transformou-se em risada diabólica, sombria manifestação de seu espírito conquistador. Não, o rapaz não é um demônio, é gente como a gente, porém de um tipo de gente que aprendeu por força do hábito a se defender da gente. Mas tomou o precioso cuidado de não rir muito alto sua exata conclusão. Ter o cuidado de não se transbordar era necessário. Grossas gotas de um suor frio escorriam por suas costas nessa noite cada vez mais gelada, enquanto um único fio de sangue percorre uma trilha invisível desde seu pescoço até o forro colorido do estampado.
Seria esse mais um rapaz como qualquer outro. O que o torna diferente não é o fato de não ter pai nem mãe, mas o brilho intenso de seus olhos quando nos olha nos olhos. Ou talvez não. Talvez esse seja mesmo um rapaz como qualquer outro, e eu é que me tenho enganado, pois se todo brilho, assim como chama, dura pouco e apaga-se, num momento, de vez:
- Onde é que o rapaz vai parar, meu Deus?
Não houve resposta. A chuva cessou e ele saiu. Sem rumo. Novamente. Mas não importa. Apesar de forte, em suas fraquezas o rapaz chorava...

*******

...a sempre querida e carinhosa Gisele, lá do seu "Pois já é hora de pôr recordações para fora", presenteou o inacreditável mundo de alex e! com mais esse selinho super divertido (e que eu sempre quis ter...). Ela diz que vem ao meu blog, e eu digo muitíssimo obrigado pelas visitas sempre constantes e pelos comentários atenciosos. Um beijão pra ti, viu minina!!!...

...(e pra receber esse belo selinho, indico os seguintes blogs:

- "Dominus";
- "Pensamentos da poetisa";
- "Através do meu espelho";
- "Memórias de um adolescente";
- "Igualdade na diferença";
- "Jornal da lua",

pois, sempre que "EU VÔ!!!" a esses blogs, sempre tem alguma coisa ou divertida, ou instigante, ou emocionante, ou diferente, ou criativa ou, enfim, tudo de bom pra ler! E é por isso que eu volto sempre e os recomendo. Vale a pena!!!)...

- música do post: "samba de amor e ódio", Roberta Sá

19.2.08

reflexões d tardes nubladas

...tenho me sentido estranhamente desanimado pras coisas. Digo "estranhamente" porque tenho plena consciência de que agora, neste momento, as coisas deveriam estar diferentes pra mim. Que coisas, então me pergunto... E é aí que empaco. A resposta não vem e palavras todas soltas se esparramam cabeça adentro. Mas tudo bem. Uma hora tudo se arranja e volta ao normal... Ou não. Depende do que temos cada um sobre o que seja essa tal "normalidade". Talvez nem seja tudo isso; talvez seja nada demais. Só não sei o que pensar. A não ser que às vezes nosso corpo e nossas emoções não nos correspondem ou sequer reagem da maneira como esperamos. É mais ou menos como plantar girassóis: frágeis, nunca se sabe quando vão "vingar". Por vezes crescem tortos e o talo quebra. Fica a sensação de trabalho em vão, de energia desprezada. Por isso não planto mais girassóis. Em vez disso, resto na varanda a olhar pro alto e ver que o céu se fecha lentamente. Admiro a dança dos pássaros em debandada contra a chuva por vir. O desenho das nuvens me fascina. É possível ver tantas formas, descobrir tantos significados através delas... Me pego que nem bobo viajando lá no alto com elas. Também gosto de viajar nas pessoas. Não que isso seja algo proposital. Não forço. Apenas vem. Apenas acontece. Quando me dou conta, já criei toda uma vida praquele ilustre desconhecido meu. Tá, isso parece papo de doido (talvez até seja né...), massss, sei lá, algo me diz que há um objetivo por trás disso. E, se não isso, pelo menos alguma serventia. Gosto de ficar sozinho, no meu cantinho, "pensando na vida", bem como diz a vovozinha. E, por incrível que pareça, essas "pessoas", esses outros que crio por vezes aparecem e conversam comigo, me dão conselhos. No fundo no fundo sou eu mesmo, claro, mas é bom que nossas próprias decisões nem sempre soem como algo que realmente "parta" da gente... Vai ver que é essa a tal serventia. Ou então simplesmente me ajudar a escrever os textos menos pessoais que ando postando por aqui. Sei que nada disso deve tá fazendo muito sentido. E também não é pra tanto. São apenas reflexões de tardes nubladas típicas do verão carioca... Agora tá tudo cinza por aqui. Mais: tá tudo prateado. Adoro esse efeito. Dá um ar de nobreza melancólica ao sol que vai embora meio triste por não ter brilhado como deveria, dourado como bem queria. Enfim, isso me ensinou mais uma coisa: não se pode ter tudo... Masss, nada impede que a gente crie né. Sonhar não custa nada, a não ser assumir um tiquinho de loucura...

*******


...a sempre fofíssima Aninha, lá do seu "Pensamentos da poetisa", resolveu premiar o inacreditável mundo de alex e! com mais esse selinho, um dos mais lindos que já vi por aí. Ela afirma que aqui no mundo há uma mente iluminada que, no caso, sou eu mesmo!!! rs... Mais uma vez muitíssimo obrigado, querida, pelo presente, pelo carinho e pela consideração constante, viu! Quero apenas lembrar que esse selo é criação da Cris, lá do seu "Dominus", o que me faz ficar duplamente honrado pela indicação... Um beijão bem grandão pras duas!!!...

- música do post: "o vento", Los Hermanos

16.2.08

entre os dois um diálogo

“...então, é assim que funciona. Sem mais nem menos”.
Falava. Enquanto isso um cheiro absurdo de fumaça de cigarro. Odeio cigarro. Sua fumaça também. Impregnada em minhas roupas – em todas elas – sou obrigada a me sentir fedida por aquele veneno de que ele tanto gosta. Usa um perfume forte; de que adianta? Já lhe disse isso também – mas de que adianta?
“...é a vida... C’est la vie, como dizem os franceses. Se bem que eu acho que nenhum francês diz isso. Besteira... É só pra mostrarem como deixam que a gente se apodere de um pedacinho de nada da língua deles, um pedacinho tão pedacinho que eles nem usam...”
Não sei por que eu continuava insistindo nisso. Só de relance eu podia ter previsto. Besteira a minha de achar que dessa vez seria diferente, que haveria volta. Volta, entretanto, pressupõe um algo de antes, melhor. Melhor, não. Não necessariamente. Mas não isso. Isso de agora. Isso de agora eu não suporto.
“...dizem que não tem mais jeito, né. Putz, quando soube disso lembrei de ti. Na mesma hora. Fiquei me perguntando: que que será que ela tá pensando disso?”
Se me dignasse a responder, diria que: nada, não pensei e não tô pensando em nada. Somente em sair daqui e nunca mais voltar. Não pra antes, pr’aquele algo. Nem precisa de tanto. Contanto que não seja aqui, com ele. Ele que já foi de tudo um pouco pra mim. No momento não mais do que um corpo estranho, falante e irritante.
“...mas assim, por que é que tu não te despregas dessa janela desde que chegaste? Anda, vem tomar um trago comigo. Não precisa nem fumar, sei que tu não és muito chegada na erva. Mas pelo menos olha pra mim...”
Continuei na mesma posição, observando o descolorido dos outros prédios ao redor. Num deles uma mulher trocando de roupa, lentamente, a preparar-se para um encontro. Amante? Com certeza. Eu ficaria com o vermelho, se fosse ela, mas... Noutro havia um homem se masturbando em plena tarde de quinta-feira, sentado em uma banqueta de madeira com uma revista na mão. Visão aguçada: era de homem. Homens. Pelados. Transando. Quem diria, um cara com uma cara tão de macho... Mais adiante, uma família almoçando, quieta, concentrada: o pai numa cabeceira, a mãe na outra, os filhos no centro. O menino tinha uns olhos tristes vidrados no copo com suco. Parecia um pouco comigo.
“...ei, o que ‘tás vendo de tão bacana aí pra nem me ouvir?”
Levantou-se e veio até mim. Escutei o barulho do copo com uísque até a borda batendo contra o tampo da mesinha que eu lhe dera num aniversário distante. O cheiro do cigarro mais perto. A fumaça lentamente impregnando-se ainda mais fundo em minha roupa. O cheiro dele mesmo, tão característico, agora talvez a pouquíssimos centímetros de minhas costas. Estremeci de repente em um calafrio, como se dois corpos de mesma polaridade se aproximassem. Forças de repulsão agiam loucas, mas de nada adiantaram: seu braço esquerdo pousou em meu ombro.
“...ah, já ‘tá anoitecendo. Daqui a pouquinho o sol se põe. Por isso tu ‘tás aqui. Me lembro que tu sempre insistias em ver o pôr-do-sol... Antes”.
Antes. E um leve incômodo se instaurou no ambiente, tão fino como a penumbra de fumaça que perene embaçava o apartamento. A mão no ombro escorregou com braço e tudo até a cintura. Estremeci ainda mais forte. Calafrio. Forças de repulsão agiam loucas. Cargas se repelindo e por isso se unindo. Sempre achei que fosse balela, mas naquele momento de anoitecer, de sol indo-se embora, com a luz em lusco-fusco acontecia de modo a não parecer tão canhestro, apesar da mão ser a esquerda.
“...tu entendes um monte dessa parada de estrelas, né? Eu gostava de ouvir. Mas não vou pedir pra ti... não precisas...”
...eu sei, me deu vontade de completar. Permaneci parada em frente à janela com aquela mão na minha cintura, arrepios contidos e na nuca um bafo agridoce de bebida com fumaça que se colava também à minha pele. Senti-me impura, incongruente, traidora de mim mesma. Prometi-me que não mais aconteceria. Mas prometer algo a si mesmo é estar fadado à traição. De certo modo eu já sabia disso. E talvez por esse motivo é que não deixava de ir, todas as quintas-feiras, quando me ligava, dizendo:
“...pô, vem, não tô fazendo nada, nem você. Deixa o trabalho pra depois e vem pra cá, pra tomar uns tragos, fumar uma erva. Se não quiser pode vir só pra me fazer companhia, como sempre. Não farei nada, como sempre. Como queira. Não quero mais te magoar...”
Coisa de filme. Parecia decorado. Devia até ser, pois foi a única maneira de me convencer a voltar lá, depois de tudo o que já acontecera entre nós. Entre nós dois já acontecera de tudo, tudo quanto seja possível imaginar. Quando duas pessoas chegam a seus limites, quando não há mais o que surpreenda um ao outro, então o que resta é esse estranho lugar-comum de arrepios em um anoitecer de quinta-feira: uma fala forçada e qualquer que bastava pra que nós dois cumpríssemos o nosso papel.
“...uma estrela cadente... Ali, olha! Faça um pedido. De olhos fechados, hein... Isso...”
Pedi. Com fervor de uma vela acesa. Não havia nuvens no céu estrelado. A lua também não havia, escondida por detrás do homem limpando-se depois do orgasmo; a mulher já saíra em seu conjunto de vestido e sapatos azul-turquesa (eu ficaria com o vermelho... amante... dá sorte...); a família acabara de comer: a cabeceira vazia, e mais um lugar vago. Apenas o menino sentado com os olhos vidrados onde antes estivera um copo com suco. Antes. Sempre antes. Do sussurro, escutei apenas o trecho final:
“...me perdoa...”
Parecia comigo. Disse:
- Te perdôo.
E foi o que desejei à estrela. Antes. Sempre antes...

- música do post: "coisas que eu sei", Danni Carlos

14.2.08

kblos brancos

...sim, eu estive afastado por uns dias. Na verdade eu nem tive tempo de pensar ou de escrever qualquer coisa que não estivesse relacionada com... Bom, com o que eu tive de resolver meio que na marra. Cabeça confusa, um turbilhão de sentimentos diversos e, pra terminar, pressão por todos os lados. Cheguei a naufragar, mas por sorte (ou necessidade, não sei bem...) havia um bote salva-vidas à minha espera, ao meu alcance. E esse bote leva o nome de maturidade. Descobri nos últimos dias que "maturidade", essa palavra tão imponente, não é mesmo apenas sinal de que estamos ficando mais velhos, e muito menos é um indício seu o surgimento de cabelos brancos - um fio pequenininho aqui, outro menorzinho ali e assim por diante. A tal maturidade muitas vezes aparece justamente nesses momentos de desespero, quando tudo parece estar perdido. Claro que também não é assim do nada. Tem de se estar preparado pra reconhecê-la e, mais que isso, para bem aproveitá-la. Por isso agradeço - e bastante - as porradas que andei levando nos últimos 2 anos em diversos setores da minha vida, pois foram essas marcas roxas em mim que me prepararam pro que tive de lidar. Novos fatos, surpresas desagradáveis, descobertas insólitas, acho que aconteceu de tudo. Mas numa conversa longa, franca, honesta, sincera - e madura, claro - tudo isso também se resolveu. Por enquanto. Obviamente, pois, clichê ou não, ninguém pode saber o dia de amanhã (aliás, nem o próximo segundo. Um bomba atômica esquecida pode explodir de repente lá nos cafundós da Chechênia e matar todos nós...). Enfim, como eu disse já há alguns posts, tenho de realmente aprender a não tentar planejar detalhamente as coisas. A decepção é sempre maior. A pressão é sempre absurda, o que faz com que todos esses esquemas escorram ralo abaixo. Sendo assim, apesar de tá ainda todo machucado (e novos ferimentos foram feitos, já que a gente sabe que as palavras ferem demais...), aprendi que isso é o jeito, a maneira de encarar a vida e os seus pequenos grandes contratempos. Ficar o tempo todo de armadura, se protegendo de sofrer e achando que tudo tem de ser perfeito só faz mal. E muito. O controle não tá nas nossas mãos. Até mesmo as nossas vontades são limitadas. Não podemos querer tudo a todo instante. Nós também temos defeitos - váááários -, e quase nunca os admitimos, apesar de quase sempre apontar com facilidade e destreza os dos outros. Eu sei que essa conversa tá com cara de livro de auto-ajuda de 5ª categoria, e que também não tô dizendo nenhuma novidade aqui. Mas é justamente por isso que escrevo esse post, porque muitas vezes - e eu sou o 1º a me incluir nesse time -, muitas vezes a gente SABE sim disso tudo, é tão claro, não? Sim, claríssimo. Só que a diferença entre SABER e SENTIR é gigantesca, e é somente quando SENTIMOS na pele essas coisinhas que todo mundo sabe (claro...), é que realmente damos a devida importância a elas. E olha que é brabo fazer isso... Opa, mais um fio de cabelo branco. Mas não importa, há jeito pra tudo. Já já vou ali na farmácia e resolvo mais esse "problema"...

*******

... a sensibilíssima Aninha, lá do seu "Pensamentos da poetisa", afirma que o inacreditável mundo de alex e! é um "blog parada obrigatória". E eu te agradeço muitíssimo, querida, não só pelo selinho super bacana, mas também por teus posts sempre tão lindos e sinceros no teu blog que, merecidamente, é sim uma parada obrigatória. Bom, como eu penso que todos os blogs linkados aqui no mundo também são paradas obrigatórias (senão eu não diria que valem a pena né...), seria uma injustiça tremenda indicar alguns poucos pra receber esse selinho. Por isso digo com a maior alegria e carinho que todos podem se sentir agraciados com mais esse presentinho aqui do alex, viu. Um beijo a todos...

- música do post: "bye bye tristeza", Sandra de Sá

9.2.08

caminhada

...refazia os passos por cima de suas próprias pegadas, como se a não desistir do caminho tomado. No entanto, essa rubrica de si mesmo apenas o deixava ainda mais fatigado, ainda mais aborrecido. Estava escuro e nada enxergava além de cinco palmos diante de si. Também havia o muro – branco, alto e sereno – ao seu lado; o que mais podia fazer senão tocá-lo de vez em quando, buscando equilíbrio – compreensão? O muro era plácido, mas não podia compreender. Até que o viu, longe ainda, depois mais de perto. Vinha em sua direção, tão sereno que parecia saber aonde ia. Mais de perto um pouco, os olhos dele penetraram os seus, de um verde irresistível, como irresistível é sucumbir à esperança. Pararam um ao lado do outro. As vestes brancas, soltas, descoladas dos corpos jovens. Dois homens em meio a um obscuro destino ao lado de um muro solitário. Sós, a sós, os dois olharam-se com ternura de quem cumprimenta alguém que há muito não via, apesar de antes nunca se terem visto. Não se conheciam, mesmo que houvessem reconhecido um ao outro através daquele olhar. Cumprimentaram-se, um gesto vago e absorto com as cabeças de peles frescas e cabelos soltos ao vento – e foram. Cada um num sentido daquela mesma direção, o primeiro confirmando, o segundo negando os passos no chão de terra, até que não mais se soubesse a distinção de para onde ir. Iam. Pouco tempo depois, o mesmo processo se repetiu. Os homens se viram, se cumprimentaram e seguiram seus caminhos. Até novamente se encontrarem e refazerem o processo de antes, que era o mesmo. Até o infinito. O homem viu o outro homem, primeiro distante, depois mais perto, tão mais de perto que pôde notar o verde incompreensível dos seus olhos, e de seus olhos notar o mesmo verde, irresistível também. As vestes eram brancas, o muro era branco, não havia sinal algum, apenas a escuridão à frente, e os passos, as pegadas, negadas e confirmadas, com precisão, com resolução, até aprenderem que o caminho é mesmo infinito, e que o infinito é circular, e que o círculo é obscuro, e que o obscuro não se pode ver do outro lado, e que do outro lado nada existe, e que nada existe inclusive o amor, e que inclusive o amor é impossível, e que é impossível um beijo sequer. Se quer. Mas não...

..."eu estava em paz quando você chegou"...

- música do post: "relicário", Nando Reis e Cássia Eller

7.2.08

ato falho

...aparecem de vez em quando em nossas vidas aqueles momentos dignos de dizermos: oops! Massss, invariavelmente, é sempre muito tarde pra voltar atrás. Não que eu me arrependa (aliás não tenho me arrependido de nada nos últimos dias), só que as conseqüências logo logo aparecem pra tentar nos encher de culpa e remorso. Dou de ombro pra tudo isso. Aprendi que mesmo o impensado tem lá as suas compensações. Afinal de contas, atire a 1ª pedra quem nunca se deixou levar pelas circunstâncias... Bem, como ainda não recebi nenhuma pedrada, acho que o argumento foi bem convincente, não? Enfim, já levei sim muita pancada - e pedrada também, acreditem... - pra saber que o caminho de tijolos amarelos tem lá as suas armadilhas, e que muitas vezes é preciso ser esperto pra saber a hora exata de pegar um atalho (e isso é o que a vovozinha chama de ser "safo"...). Como até há bem pouco tempo eu era simplesmente um otário - ou loser, em denominações mais globalizadas -, qualquer coisa que me saísse fora das expectativas iniciais ou que - pior, ahhhh!!! - não estivesse dentro dos meus planos era um verdadeiro desastre, motivo de catastróficas torrentes depressivas e auto-destrutivas. E agora? ah, nada disso: comiseração pra mim é só mais uma palavrinha feia de dicionário que me lembra alguma doença de pele. Além de conviver bem comigo mesmo, lido muito melhor com os ditos "imprevistos", mesmo que estejam relacionados a sentimentos com os quais eu não queria mexer no momento. Bom, como não podemos escolher tudo nessa vida e jamais damos conta de organizar esse caos que nos rodeia (e vem cá, alguém ainda tenta?), um curto-circuito aconteceu dentro de mim e pronto: momento oops! a vista (e "à vista" também, pois, quando vi já tinha passado e ninguém anotou a placa...). É claro que não foi nada como naquela música da Britney (vem cá de novo, alguém ainda se lembra dessa fase, digamos, "normal" de Britney Spears? ah minha adolescência...), mas teve - e tem - um gostinho meio amargo. Não pelo que aconteceu, faço questão de frisar, porém recaídas amorosas causam sempre algum terremoto interno. Sei que tô mais controlado dessa vez, sei que não deveria ter acontecido e blábláblá... Eu sei isso tudo. Mas já que o leite não volta mais pra garrafa mesmo, o jeito é absorver esse ato falho e tentar tirar alguma coisa positiva disso. Foi bom? foi, não vou mentir... foi ótimo, até. Não sou mais criança, sei muito bem o que faço. Acontece que não é de uma hora pra outra que anos de história vão se apagar e tudo (re)começará do zero (e, falando sério, nem sei se quero que isso de fato aconteça...). O que é que eu quero então? Sei lá... só sei que não quero resolver nada agora. O peso da responsabilidade me pressiona contra a parede e eu grito assustado. Por isso prefiro deixá-la presa um pouquinho. Às vezes é bom curtir uns momentos de fossa intelectual. Não que isso me faça triste, deprimido ou qualquer coisa do tipo, não me interpretem mal. Apenas quero ficar um tiquinho comigo mesmo, usufruindo dos meus atos, mas sem ter de, por enquanto, decidir a vida de alguém. A vida a 2 é assim mesmo, não se enganem: toda decisão de 1 afeta o outro. Aliás, dizem até que quando 2 pessoas estão juntas forma-se um 3º - que seria a representação da união de um e outro. Eu acho esse papo muito filosófico e cabalístico pra mim. Acredito mais na teoria do ping-pong: quanto mais forte a porrada que cê der desse lado, mais forte virá a porrada do outro. Isso se a bolinha - oops! - não bater e ficar na rede. Os dois perdem? Não necessariamente, a menos que se queira decretar WO duplo. O vencedor será aquele que melhor administrar esses atos falhos e souber equilibrar a situação sem que ninguém saia prejudicado. Temos de aprender a lidar com as exceções à medida que aparecem, porém nunca as condenando pelas "desgraças" das nossas vidas, e muito menos tentando sistematizá-las em novas e infinitas loucas regras. Basta aceitar as coisas como elas são, sem fantasias, máscaras ou fingimentos do tipo "ai meu deus, mas eu sou sempre a vítimaaa!!!" (isso só cola em novela mexicana - e com muito choro e sombra preta toda borrada...). Pára com isso, ô. Há sempre um desvio na estrada, pois - salve Drummond! -, tem sempre uma maldita pedra no meio do caminho. Oops! quase tropecei, tá vendo...

- música do post: "negue", Ney Matogrosso