22.2.08

apenas um rapaz

...o que o tornava diferente naquela noite era o fato de não chorar. Chovia forte, um frio cortante subindo-lhe pelas costas até os fios mais finos de cabelo da nuca loura e: não, ele não chorava. Mantinha-se ereto, firme, estóico como uma daquelas montanhas geladas dos filmes que assiste, de vez em quando, em suas madrugadas insones. Sozinho como as montanhas geladas, e um sorriso irônico coloriu meio amarelado sua face alva encostada no vidro esverdeado da janela aberta.
Esse rapaz não tinha pai nem mãe, o que podia fazer com que pensassem que o jeito meio distante e reservado, apesar de sua nítida extroversão, era apenas um reflexo disso. Digo com segurança que não, não era um reflexo disso. E digo porque conheço esse rapaz, e sei que se fosse de outro modo, ele o seria do mesmo modo, do jeito como eu ou qualquer outra pessoa que já o conheça (ou que venha a conhecê-lo) aprendeu a decodificar.
Mas se eu dissesse desse modo, certamente pensariam que o rapaz é complicado. Também não. Nessa noite incomum de frio cortante após um pleno dia de sol, escondido em casa como um bicho de vida noturna, após isso o rapaz apenas pensava em sair. Não sabia pra onde e na verdade isso era o de menos. Saber aonde ir ou o que fazer não faz parte de seu repertório de vida – esse rapaz não ensaia, não é do tipo que vive quadrado. Pelo contrário, ele não tem ângulos nem script; ele improvisa. O rapaz é redondo, apesar de sua magreza. Ser magro, aliás, dava-lhe a destreza de escapulir pelas menores frestas quando bem lhe conviesse ou quando fosse o momento oportuno. O rapaz é redondo sim, mas redondo de alma. Uma sorte e tanto, pois isso é de nascença adquirida, algo que não, não se aprende: ter a alma redonda proporciona, em um alguém, uma capacidade de adaptação única. Possuir a noção exata de qual máscara vestir em qual determinado momento fez do rapaz uma figura hábil, quase caricatura de si mesmo. Se o escorpião encalacrado pelo fogo desespera-se e finalmente opta pelo suicídio – escapismo covarde – em vez da morte certa o rapaz funde-se ao próprio fogo, aproveitando o seu calor pra depois calcinar em vingança aqueles que lhe atearam, sem dó, a sua mortalha.
Em suas longas poucas décadas de vida, ele, o rapaz, aprendeu a alto custo que confiar nos outros nunca é a melhor opção. Sua defesa é o prévio ataque. Sair como estrela de espetáculos em que lhe caberia somente o papel de coadjuvante era o que mais o impulsionava. Tinha confiança em si próprio, e a certeza de que pra ele havia sido reservado o melhor dos destinos. E sozinho. Que se dane, não precisava de quem quer que fosse mesmo. Sozinho. Talvez incompleto, mas ciente de si. Pro rapaz, a aparente completude das coisas apenas lhes camuflava suas fraquezas. E por isso é que se tinha forte.
Pronto, enfim decidira-se. Realmente ia sair. Optando por sua máscara de morcego, pensava em quantas e quais seriam suas vítimas esta noite. Aquela era sua máscara mais recorrente, a que usava nessas noites de frio cortante e lua cheia. Não era de uivar como os lobisomens fracos e carentes. Era de morder e arrancar do outro a sua própria subsistência, que consistia em basicamente provar ser: mais forte, mais inteligente, mais sagaz, mais rápido. Mais. Subjugar a existência alheia não era o seu objetivo primário, e sim uma de suas conseqüências secundárias.
O sorriso irônico amarelado deu lugar a outro, de um brilho misterioso e maléfico. E sarcástico. Presas a postos, estava pronto pra mais uma noite. Já é hora, é meia-noite, expansão de território, revista de suas posses. Um dia ainda seria muito, muito mais do que qualquer um. No entanto ainda era noite alta e ele não tinha a noção. O sorriso transformou-se em risada diabólica, sombria manifestação de seu espírito conquistador. Não, o rapaz não é um demônio, é gente como a gente, porém de um tipo de gente que aprendeu por força do hábito a se defender da gente. Mas tomou o precioso cuidado de não rir muito alto sua exata conclusão. Ter o cuidado de não se transbordar era necessário. Grossas gotas de um suor frio escorriam por suas costas nessa noite cada vez mais gelada, enquanto um único fio de sangue percorre uma trilha invisível desde seu pescoço até o forro colorido do estampado.
Seria esse mais um rapaz como qualquer outro. O que o torna diferente não é o fato de não ter pai nem mãe, mas o brilho intenso de seus olhos quando nos olha nos olhos. Ou talvez não. Talvez esse seja mesmo um rapaz como qualquer outro, e eu é que me tenho enganado, pois se todo brilho, assim como chama, dura pouco e apaga-se, num momento, de vez:
- Onde é que o rapaz vai parar, meu Deus?
Não houve resposta. A chuva cessou e ele saiu. Sem rumo. Novamente. Mas não importa. Apesar de forte, em suas fraquezas o rapaz chorava...

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...a sempre querida e carinhosa Gisele, lá do seu "Pois já é hora de pôr recordações para fora", presenteou o inacreditável mundo de alex e! com mais esse selinho super divertido (e que eu sempre quis ter...). Ela diz que vem ao meu blog, e eu digo muitíssimo obrigado pelas visitas sempre constantes e pelos comentários atenciosos. Um beijão pra ti, viu minina!!!...

...(e pra receber esse belo selinho, indico os seguintes blogs:

- "Dominus";
- "Pensamentos da poetisa";
- "Através do meu espelho";
- "Memórias de um adolescente";
- "Igualdade na diferença";
- "Jornal da lua",

pois, sempre que "EU VÔ!!!" a esses blogs, sempre tem alguma coisa ou divertida, ou instigante, ou emocionante, ou diferente, ou criativa ou, enfim, tudo de bom pra ler! E é por isso que eu volto sempre e os recomendo. Vale a pena!!!)...

- música do post: "samba de amor e ódio", Roberta Sá

8 comentários:

Nando Damázio disse...

Às vezes me sinto exatamente como esse rapaz do conto, sem rumo, perdido, mas acho que essas dúvidas e indecisões fazem parte da vida e até ajudam !!
Gostei muito do texto, Alex, dá uma sensação de tristeza, mas é narrado ricamente em sintonia perfeita de palavras ..
Venho te ler mais vezes .. Abraço !!

Ana Paula Vieira disse...

nossa, este rapaz me intrigou mto, adoro pessoas misteriosas
=D
amei o selinho!
adorei msm!
adoro teus comentários lá no meu blog
=D
pena q agora virei aqui com menos frequencia, mas nunca me esquecerei deste espaço aki q eu adoro mto, sempre q tiver um tempinho corro pra cah
Bjs
=D

Amanda Beatriz disse...

ele é praticamente um vampiro!
triste viver assim se escondendo do que realmente é! sei como é sair sorrindo, mas chorando por dentro!
beijos!

Nayara Lobo disse...

Lendo o comentário acima pensei: Acho que todos nós, pelo menos um dia já sorrimos chorando. É algo do ser humano mesmo, estar incomodado com algo, ou simplesmente estar triste, e seja por conveniência, seja por vergonha do que irão pensar, guardam os sentimentos, sofrem calados como se aquilo não fizesse mal...
Seus textos são ótimos!
bjin...

Teresa disse...

hehehe

quando li o texto lembrei mesmo daquela música do belchior que diz: "eu sou apenas um rapaz latino-americano sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior" heheheh

=*

Teresa disse...

aliás... quando li o TÍTULO do texto!!! heheh

*Fe* disse...

Ai ai ai, eu ganhei selo!!!!!!!!!!!! Hihihih, mtu obrigada!De coracao! Soh espero poder manter o nivel do blog, jah q tenho pessoas mtu especias linkadas, como vc...
Mil bjos!

Bill Falcão disse...

Obrigado pela lembrança, Alex! Quanto ao post, eu ia dizer o mesmo que a nossa querida Teresa já disse: fiquei com a música do Belchior na cabeça, enquanto lia. Mas, além disso, ler seus textos é sempre um renovado prazer!
Grande abraço!!!!!!!!!!!