29.3.08

o ato

...eu queria escrever só pra te dizer que eu não consigo mais. Mas então me detenho com meus braços desarranjados todos em cima da escrivaninha que, destra, comodamente se oferece em uma folha branca. A caneta esferográfica com sua esfera que espera na mão enrolada nos dedos sem jeito de unhas roídas de momentos doídos que não nem nunca mais. Mas se fizer o gesto até o fim, concluindo um início qualquer porém bem pensado e roído de momentos outros que não unhas, já seria tarde pr’uma volta: revolta de não saber o que te dizer, sabendo. Porque aquilo que me impede é simplesmente o ato de me encostar na esfera que gira na caneta e no papel pra me tornar refém de mim-mesmo em mentiras que, mais bem elaboradas que as minhas verdadeiras meias-verdades, talvez fizessem com que você entendesse que: eu não consigo mais. Mas então só isso já seria a minha perdição em labirintos que eu-mesmo criei à guisa de explicações a não ser aquelas mentiras de que falei mas nunca talvez nunca mesmo terei condições de escrever, uma vez que não sei como escapar se, desde a primeira vez, escrever é um ato. Escrever pra ti, então, nem saberia dizer o que é: sabendo, porém. Se desde o ponto inicial de contacto já se estabelece a conexão mútua de corpo-inteiro-papel que traça um traço e mistura-se em códigos, laços, riscos, línguas, normas, sílabas, palavras, sintagmas, orações, períodos, textos, estardalhaços hiperbólicos e catacréticos pra te dizer somente que redundantemente eu queria escrever pra te dizer: eu não consigo. Ou talvez eu queria escrever pra te: dizer. Ou quem sabe eu queria escrever pra: te. Ou ainda eu queria escrever: pra. Ou mesmo eu queria: escrever. Ou na verdade eu: queria. Ou: eu. Ou. E depois nada. Preso num ponto que dois-pontos reticentes nada dizem a não ser tudo de uma possibilidade infinita que se encerra até mesmo encerrando-se numa mensagem qualquer em um ponto final que certamente só começa as coisas assim mesmo indefinidas de nunca serem porque ficam pela metade ou se findam em si-mesmas, já que justamente é assim dessa forma que quero que você entenda, só que não tenho como – mas gostaria de – explicar. O problema, se é que é problema, pra mim todo problema é lindo pela (não) inerência de solução, é que não há como explicar o inexplicavelmente óbvio. E assim momentos alucinantes à noite na escrivaninha destra de papel roendo unhas pra sempre chegar a esse intransitivo nunca que, dois-pontos, encerra o começo do que eu queria escrever pra te dizer que não consigo: . E não consigo justa e simplesmente por causa da tua avidez por certezas, respostas e pés-no-chão que eu nunca consegui por não alcançar nem o chão, nem as respostas e nem as certezas que, pra mim, ficam sempre no teto, mas sem o teto, sempre longe, sempre pra cima, sempre nunca. Já é tarde. Já foi tarde e será sempre tarde: matutina vespertina e noturna que tarde de novo. Essa sensação de cãibra contraindo músculos espasmodicamente dolorosa reclamando a mesma posição desposicionada de muitos dias, noites e afins, chegando a delírios ainda mais loucos que maluquices mas sem hospícios ou camisas-de-força. Liberdade aprisionada totalmente. Claro, mas escuro também. As cortinas fechadas velam o desvelado filtro que fez da luz um misto escurecido que a gente chama: sombra. Eu não. Com certeza você chamaria: sombra, como se tentasse precisar o impreciso: eu mesmo, falando de mistos misturando tudo para separá-lo e, enfim, não haver fim. Você entende o que quero dizer agora, não? Não, acredito que não. Certamente incertamente você tentaria me tentar numa certeza só, englobando-me em um significado só (tão sozinho) como signo quebrado e o espelho cínico de teu estojo de maquiagem que, aprisionado em tua vagamente precisa prisão, em seu reflexo apenas: você. Mas não posso assim pôr as coisas tão em pratos-limpos, porque até isso em mim pra ti é sujo, ou talvez indefinível. O que pra ti são ambos. Coitados de nós, digo, de teu espelho e de mim, que somos obrigados a momentos de luz em meio à escuridão (pra ti: sombra) a refletir as incertezas que transformas em algo certo pra te poder agarrar a uma realidade doentia porque excludente de todas as outras, inclusive você, o espelho e eu. Principalmente você (e o espelho, e eu) que, à parte, aceitamos somente enquanto queres ter: (a) certeza. Assim talvez sejamos apenas os parênteses que lhe (in)determinamos o sentido, porém causando o (d)efeito de deixar-te tão sóbrio e tão bêbado que acreditas piamente estar em linha reta. Talvez agora, seja lá quando foi/é/será, eu nunca saiba porém sabendo o que tanto eu queria mas não querendo te dizer: ...

- música do post: "boa sorte/good luck", Vanessa da Mata & Ben Harper

14 comentários:

Anônimo disse...

me amarro na maneira que vc escreve!!!!

bom fim de semana p vc!!

beijoss!!

Stella disse...

Fiquei imaginando quanto tempo demorou até esta indecisão tornar-se texto...
A cena é visível ainda agora depois de ler todo o seu post.
Mas a indecisão somente persiste nas palavras utilizadas. O que você escreveu rende certezas a quem precisa tê-las e verdades que você não parecia querer dizer mas que conseguiu falar(porque nas entrelinhas do dizer falasse mais do que na certeza de uma oração de gramática perfeita).

De qualquer forma, "O Ato" consolidou-se em mais do que os dois pontos e criou uma leitura tão boa que provavelmente merecia concorrer a prêmios em concursos literários. O que eu ainda não consegui descobrir é porque você ainda não escreveu um livro?!...

Não é puxa-saquismo, Alex! Sei reconhecer literatura ruim. Já vi tanta coisa esdrúxula, medonha e estranha nas centenas de blogs que visitei e que se intitulavam como sendo blogs de escritores (ou poetas) que fica impossível não saber a diferença entre um texto que, digamos, mexe com a gente por dentro e algo feito de qualquer maneira.

E você é desses casos raros e especiais capazes de nos fazer ler (e reler) um texto só pelo prazer de deitar os olhos numa coisa interessante.

Em suma, Adorei este "ato" e espero que você continue conseguindo escrever, sim, senhor! Principalmente para quem este post foi criado. Em geral, coisas importantes começam a ser ditas (ou escritas) depois de darmos o primeiro rabisco no papel quando pensamos que não mais conseguiríamos; e depois, em conta-gotas, as outras palavras vêem até nós...



Um abraço, Carioca-escritor, e bom fim de semana!


P.S.: Vou esperar para ver o seu próximo post com o desafio! Aposto que as respostas vão ser bem instigantes!

Nando Damázio disse...

Cara, sabe quando a gente lê algo tão bonito que fica sem palavras pra comentar ??
Eu tenho um jeito diferente de ler o seu blog: geralmente quando estou na frente do PC eu deixo a caixinha de som ligada e fico ouvindo músicas, mas quando vou ler um post seu eu desligo a caixinha e fico no mais absoluto silêncio .. Porque acho que o seu texto está acima da compreensão comum, é significativo, rico de detalhes .. A gente se pega concentrado na leitura e não consegue parar até acabar, por isso prefiro o silêncio para desvendar com mais clareza as suas palavras ..

Bem, como disse a Dominique, não é MESMO puxa-saquismo, mas sou da opinião que quando reconhecemos algo realmente bom, devemos elogiar sim, porque o elogio sincero gratifica !!

Eu pensei sobre seu texto sob uma outra perspectiva também: este ato de escrever para traduzir os sentimentos não está mais presente apenas na ponta da caneta sobre a folha de papel, agora está na tela de vidro da máquina também, e até com maior intensidade, eu acho !!

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Bem, você foi "selado" lá no meu blog, caso ainda não tenha visto, aqui está o link:

http://amelhornoveladetodosostempos.blogspot.com/2008/03/meme-para-saber-o-que-eu-seria-se-eu-no.html

Tava meio sem tempo para as visitas diárias, mas já dei jeito nisso .. Com certeza virei aqui com mais frequência !!

Abraço !!

*Fe* disse...

Oi Alex E! Aiiii, q saudade eu tava desse seu blog! Eu adoro seus textos e a personalidade q eles tem.. Pena q o cursinho esteja muito puxado e o vestiba tao perto... Nao tenho mais tanto tempo d passar por aki... =[
Mas sempre da um tempinho eu dou um pulo aki, ainda q asv zs n de tempo d comentar!Bom, vou nessa pq hj eh domingo, dia d estudar! Obrigada por me presentear com textos tao lindos nos meus momentos raros d devaneio...
Bjos, boa semana!
=*

Anônimo disse...

"Porque aquilo que me impede é simplesmente o ato de me encostar na esfera que gira na caneta e no papel pra me tornar refém de mim-mesmo em mentiras que, mais bem elaboradas que as minhas verdadeiras meias-verdades, talvez fizessem com que você entendesse que: eu não consigo mais."

Adorei todo "O Ato". Muito mesmo! Abraço!:)

Gustavo Krawser disse...

Sabe que me impressiona a recorrência com que você posta? Eu tava lendo aqui, cada frase que parece daquelas que a gente perde se não anota no instante em que vêm à mente... Mto bacana.

Anônimo disse...

Lindo texto, gostei. É de uma profundidade incrível, e, apesar de extenso, prende, e muito, a atenção de quem o lê. Parabéns!

Filipe Garcia disse...

"nem as respostas e nem as certezas que, pra mim, ficam sempre no teto, mas sem o teto"

falaram demais comigo essas palavras. O texto todo é bonito e confesso ter me perdido várias vezes. Não, não me perdi no seu raciocínio - talvez sim - mas nos meus pensamentos que iam vagando junto ao seu.


É, meu caro, vc é bom nisso!

Abraços

Érica disse...

Heyyyyy!!!!!!tem presente pra vc lá no crazy feelings...


beijoooo

Amanda Beatriz disse...

certas coisas não dever ser escritas, devem ser ditas. o problema é essa incompatibilidade de prioridade. se agarrar à um realismo, muitas vezes é mais fácil do que tentar alcançar o céu. para uma pessoa que precisa do palpável, muitas vezes é difícil alçar vôo.
beijos!

Ivan Bittencourt disse...

O seu jeito de escrever é impressionante (não sei se já disse isso), mas você é um excelente escritor e devia(Faça isso!) investir nisso.

AS vezes vivemos situações e momentos que parecem apenas um emaranhado de coisas e sentimentos que não fazem sentido algum. AS vezes mentimos para nós mesmos sobre quem somos de verdade. E isso torna tudo tão confuso e tão difícil de se encontrar.

Parabéns pelo ótimo texto.

Anônimo disse...

Oi! Estou perguntando a alguns amigos : Na sua opinião quais são os 10 PECADOS IMPERDOÁVEIS EM UM GAY. A resposta vc pode enviar para meu e-mail: tomzine@bol.com.br

Bill Falcão disse...

Maravilhosa essa sua maneira de fazer poesia em prosa, ou prosa em poesia. Uma série de labirintos, onde a gente viaja no tempo, mas nunca se sente perdido.
Grande abraço e obrigado por comparecer ao aniversário do Jornal da Lua!!!

Jaya Magalhães disse...

Rapaz, rodopiei nas tuas frases. Que coisa mais natural. Você parecia brincar com as letras. Pareceu ter nascido pra jogar com as palavras. Adorei o ato.

Beeeeijo.