“Is all that we see or seen
But a dream within a dream?”
Edgar Allan Poe
But a dream within a dream?”
Edgar Allan Poe
...a noite silenciosa era o convite perfeito pra um perder-se por aí. Em plena insônia, via-me divagar entre as frestas da quase-loucura do sono negado por perturbações de alma cindida. A casinha no meio do campo guardava a paz funérea de um antigo cemitério. E eterna. E o saber imutável da situação revolvia o meu estômago de dores insuportáveis, dores que me falavam fundo de tristezas emolduradas pelo tempo. No limite de não poder mais calar os gritos que teimavam crescer em mim, reverberando como ecos dantescos por minhas entranhas, resolvi levantar-me e tomar um copo d’água. Assaltou-me o pensamento infantil de afogar as mágoas, quer fossem o que fossem. Nunca antes a distância pareceu tão grande. Nunca antes os passos tão lentos. A cabeça pendida lembrava-me a de um condenado à morte por algo horrível. Talvez mesmo me condenasse por algo horrível que jamais cometi. No entanto, continuava o tortuoso caminho, já que indulgência não se dá a si próprio, até que topei com a geladeira, destoando do momento. A geladeira, e não eu, que perfeitamente me inseria no contexto das sombras diversas, tão fantasmagóricas as coisas se tornam sem o desvelo da luz. Copo cheio, a água descia fácil e evaporando-se pelo meu interior, que secamente restava. Pela metade, chamou-me a atenção um vulto curioso vindo da janela entreaberta: um gato preto encarava-me com seus olhos verdes, profundos, misturando-se à grama do jardim e ao negrume da escuridão. Um gole ficou pelo meio, engasguei com vontade e, quando dei por mim, não de todo recuperado como tonto, outro gato, dessa vez pardo e de olhos igualmente verdes, também me encarava. Infinitos, os gatos detinham todo tempo do mundo, relativizando meu parco conhecimento assustado de copo escorrendo pela mão. Se meio cheio ou meio vazio, não importa: é questão de ponto de vista, somente. Só e já então entregue ao momento, o arranhão do gole abortado abafou os rasgos das unhas ávidas pelo meu corpo metade desnudo. A última coisa que vi foram aqueles pares de olhos, verdes, vítreos, hipnotizando-me de um sossego eterno. No dia seguinte, os cacos continuavam no chão...
- música do post: "one day i'll fly away", Nicole Kidman
17 comentários:
Os olhos são janelas para a alma!
Belo texto! Adoro mistérios, clima de suspense!... A música também é linda! Ótima escolha!
Obrigado pelos comentários! Até breve.
Abração forte, caro Alex!
Pedro Antônio
Alex,
Gostei de seu blog. Vc escreve bem. música maravilhosa. Os olhos meu caro revelam tudo que as palavras insitem em dizer mas não podem. Enquanto as palavras limitam-se a realidade os olhos alcançam o infinito.
Abraço.
Parabéns pelo post. Adoro Poe, e creio que a escolha contextualize muito bem com o abordado em seu texto. Gosto de vir aqui, porque sei que haverá boas expressões da alma!
Tenho medo de cemitérios e e não sei bem porquê. E não gosto de gato.
Não gosto do peso dos olhos deles nem de como eles encaram meus.
Já fui chamada de moça do olhar agateado e fiquei a pensar... será que encaro assim as pessoas?
Mas enfim, seu texto me remeteu a esse olhar... suspense.
Adoro isso! Adoro você.
BeijOs
Nossa, tu consegue me assustar. Não pelo simples fato de ter medo ao imaginar a cena, mas por sentir o que tuas linhas querem dizer.
Não gosto de gatos, acho que eles são falsos. O peso daqueles olhos escondem o mistério de sua próxima reação, que pode ser um afago ou uma ferida.
Teus textos são muito bons, conseguem deixar mistério até o fim e impressionam!
Beijo pra tu ^^
Alex brigaduuuuu pelas palavras de incentivo e por acompanhar minha história (e hj do Alê tb). Pode ter certeza que apesar da dor eu aprendi muito e ainda to aprendendo, afinal você sabe... a vida é uma grande lição. Eu o Alê te deixamos um abraço.
entregue ao momento, impondo-se um tormento, tem hora que a melhor fuga, é afogar-se num sentimento, não receba como indireta, mas tenho tanto medo do costume, e do gosto que a gente pega pelo sofrimento
"Ecos dantescos que reverberam pelas entranhas."
Isso, Alex, é daquelas frases que nunca mais na vida eu vou esquecer. Pelo impacto. Pelo encaixe. Pelo que senti, ao ler, no contexto ao qual ela fez companhia.
Teu texto me deixou coberta de reticências. Trouxe a cena pro meu agora. Minha casa, meus sentimentos, meu escuro, meu cacos. Não sei, mas talvez, permanecendo os cacos, é tempo de reconstruir de maneira alicerçada aquilo que antes andava pendendo.
E eu paro aqui, por temer soar incoerente.
Beijos, que te alcançam aí.
P.S.: Perdoa o sumiço. As letras fugiram de mim. E eu, também.
Gostei do post!
Tão misterioso e envolvente,
Gostei!
Vou voltar mais vezes, eu gosto da voz na Nicole, boa musica ²!
www.voltareiaqui.com.br
o/
Con que ao falares dos pares de olhos verdes me senti mexida...
Obrigada pelo teu carinho e por compartilhar teus sentimentos lá no meu cantinho. Volte sempre, tuas palavras me fazem bem!
Teu post ficou incrível...
Beijos!
Ah eu adoro os textos do Edgar Allan Poe.
Gostei bastante do teu texto.
'O Gato Preto' do Allan Poe é bem sinistro também.
Abraços.
Gatos são traiçoeiros demais... não gosto deles... texto de forte impacto se a gente acompanha-o imaginando cada coisa.
Q posto gostoso de ler...
Adorei
Beijo enorme
Ei, Alex!
Ótimos comentários! Obrigado mesmo pela presença lá no blog!
Não é fácil, mas a gente precisa lutar pela felicidade! E isso, quase sempre, envolve muitos riscos!
Abração forte!
Pedro Antônio
Uaaauuuu!
Texto mesmo lindo, cheio de aventura, suspense, beleza. Amei!
Beijo
Adorei o Post Alex. E Parabéns pelo Blog. Nossos olhos possuem uma linguagem onde guardamos um mundo de segredos... contudo, dizemos com o olhar o que algumas vezes o mundo das palavras não conseguem silenciar. Parabéns de novo.
Beijos,
Kelen Marques
Muitas vezes, sinto como se os gatos soubessem mesmo de todos os mistérios do mundo, Alex!
Ainda mais quando acontece em uma noite de "sono negado por perturbações de alma cindida."
Aquele abraço!
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